quinta-feira, 29 de julho de 2010

Poeminha Amoroso em Vai e Vem

Minha mão inocente
abre-se sobre a pele do teu seio
fecho os olhos e sinto
as diferenças de textura
o arrepio
quando percorro o bojo
a auréola
o bico.

Caminho até a mesa
onde estão o papel
e os lápis de cor.
Sento-me e psicografo
às vezes rápido
outras mais lento
direto da memória
o desenho do teu seio.

Abro os olhos
e observo
o papel sobre a mesa
e nele o desenho
de um canteiro de flores
de um conjunto de mares
caminhos, correntezas
pássaro e peixe
e o sol.

Coloco a mão aberta
sobre o desenho no papel
e fechando novamente os olhos
sinto a pele do teu seio
as diferenças de textura
o arrepio
quando percorro o bojo
a auréola
o bico.

28jul10

sexta-feira, 23 de julho de 2010

ELE

Escrevia muito pouco, somente o necessário. A professora insistia para desenvolver o texto. Mas para ele bastava dizer “menino” ou “menina”; não importava o nome ou a idade – isso ele sabia, e guardava.

Também falava muito pouco. Dava preferência às palavras “sim”e “não”. Raramente dizia um “talvez”.

Observava quieto, de um lado, o trabalho do encanador ou do eletricista. Trocava lâmpada queimada e fazia luz.

Também ficava olhando a cozinheira matar galinha e depois abrir, revelando os miúdos e limpando o milho ainda no papo.

Certa vez abriu um relógio que não andava, desmontou, remontou as peças, deu corda e fez funcionar. Ninguém viu.

Sorria quando entrava n’água, qualquer água. Quando batia os pés fazia uma espuma intensa, na piscina ou no mar.

E foi do mar que uma onda veio e o embolou. Virou de ponta-cabeça, foi sacudido de um lado para o outro, rolou até chegar na areia, quase desacordado. Chegou à casa e desatou a falar. Três dias falou sem parar. Até que caiu num sono profundo e sonhou.

Sonhou com verdes campos e verdes mares. Nos campos os pássaros e no mar os peixes. No ar, pássaros e peixes. O céu era azul de desenho animado; o sol, amarelo, não queimava. Podia ouvir tantos sons... Ouvia pausas, também, e longos silêncios. E tudo isso era a língua do mundo, com as folhas e flores cantando com a voz do vento. Chegou a ouvir o ruído da Terra girando em torno do eixo. Era a porta do quarto que abria. E ele acordou.

Desse dia em diante ele compreendeu que cada coisa andava com a outra e que o som, pra ser som, precisa do silêncio; assim como calor existe se faz frio. E entre o que falava e escrevia foi que tornou-se uma orquestra. E virou músico.

22jul10

quinta-feira, 22 de julho de 2010

O Som do Latim



O alemão é um povo que não conta com muita simpatia por aí a fora. Exceto pela admiração que se tem por sua organização e ciência, o gosto pelo germânico se exaure na apreciação de certos acepipes e na imbatível cerveja. Claro que há muito mais de bom que apenas isso na cultura alemã.


Graças ao ancestral romano, foi semeado (e prosperou) na Alemanha o Latim. Podemos reconhecer, entre as línguas latinas, muitos vocábulos comuns (na gênese ou na grafia) que descendem diretamente do Latim. Mas é o uso das declinações que faz o Latim e o Alemão particularmente interessantes. As declinações escondem regências debaixo da asa de substantivos, adjetivos e pronomes. Como resultado, ocorre a liberação da estrutura que rege da ordem das palavras nas orações – organização tão essencial às línguas modernas que utilizam a seqüência sujeito-verbo-predicado. Algumas partículas também ganham liberdade, principalmente as negativas (veja-se, em Alemão, o uso endiabrado da palavra “nicht”, que pode torcer o sentido de uma afirmação ao final da frase). Isto sem falar das vírgulas e das palavras que se compõem a partir da aglutinação léxica de substantivo e adjetivo!


Há anos atrás eu revia o latinório, preparando-me para o vestibular. Lutava para gravar as declinações e os vocábulos, maldizendo os idiotas que haviam incluído uma língua morta no currículo. Ajudava-me um padre iluminado – espanhol e republicano – que, assistindo à minha angústia, abriu-me a cabeça recitando vigorosamente um trecho da Eneida, de Virgílio, mostrando-me como o “Arma virumque cano/Troiae qui primus ab oris” nos fazia ouvir a aproximação dos soldados e o rufar dos tambores. A partir daí, se não aumentei meu conhecimento de Latim, despertou-se minha vontade para um dia fazê-lo.


Hoje, ao brincar com as palavras em Português num breve e-mail, lembrei-me do querido padre e do Latim. Acabei concluindo que falara alemão, recordando-me da piada do português que conversa com o motorista de táxi em Berlin. Mais importante, lá fui eu buscar alguma coisa sobre a Eneida, acabando por achar um excelente texto de um autor americano (sim, os americanos, assim como os ingleses, cultuam o Latim!) – William Harris – ex-professor emérito do Middlebury College, falecido em 2009. Diz ele que:



“[The Romans] actually HEARD poetry as they read it, and were tuned to the sound of words as we cannot hope to be. We live in a 'print culture', we reach words as ideograms much as the Chinese reach 'characters' as units, a very fast and very useful procedure, but one which robs us of the essence of poetry, which is Sound.”


Certamente os idiotas controladores dos currículos, que exigiam que estudássemos Latim no ginásio e nos obrigavam a sabê-lo no vestibular, eram idiotas mesmo. Faziam-no pelos motivos errados – o mesmo simulacro de erudição e vera inutilidade que martiriza os alunos atuais, obrigando-os a análises sintáticas dificílimas ao invés de ensiná-los a escrever lendo e escrevendo.



De minha parte, agradeço a idiotice e sigo encantando-me com a poesia, o som das palavras, e o jogo que faz a melhor Literatura – como a de Saramago – que me diverte intensamente. Além disso, se tempo e determinação tiver, vou estudar Alemão. Como será formidável ler os filósofos alemães no original e também poetas como Enzensberger. E como será emocionante ouvir, e entender, as vozes originais, mesmo quando poucas, do cinema de Herzog e Wenders...


22jul10

terça-feira, 13 de julho de 2010

FETICHES (Segunda Parte)


O nome da amiga de minha irmã é Lara. O nome de minha irmã é Pérola, mas nós náo gostamos dele. Faz tempo que combinamos que Pérola se chamaria Sayuri. É que minha irmã se parece a uma gueixa – pequenina, delicada, olhos e cabelos negros, curtos e picados. Quando está triste Sayuri passa os dias de olhos baixos, deixa crescer os cabelos e fica num canto lendo ou pensando na vida, enrolada num quimono que dei de presente quando a re-batizamos. Naquela noite Sayuri estava esplendorosa. Parecia mais alta, embora conservasse o estilo “mignon”, e seus olhos faiscavam, tornando insignificantes as outras mulheres à sua volta. Só assim pude encontrar uma explicação para minha súbita atração por ela. Mais tarde iria entender que o incesto, em si, é um fetiche; mas isto é uma outra história.

Lara é o inverso quase de Sayuri. O rosto eslavo e os cabelos muito louros, cacheados e volumosos, combinam bem com as ancas generosas. Ri com facilidade; uma gargalhada dobrada e gostosa. Não a vejo tendo as mudanças súbitas de humor que caracterizam a personalidade de Sayuri. Penso que é sempre divertida, externalizando um bom-humor “topa-tudo” sincero e verdadeiro, ao contrário de Sayuri, cuja vida interior é muito mais intensa que seus modos comedidos.

Logo que saímos do encontro, Sayuri e Lara trocaram algumas palavras e me disseram que iríamos todos para a nossa casa, tomar um “night cap”. Não tugi nem mugi, absorto que estava na tentativa de explicar e desculpar o que havia acontecido comigo e minha irmã. E enquanto as duas conversavam animadamente, eu, sozinho na frente, ia dando tratos à bola que me suavizassem o percurso.

Quando chegamos, atirei as chaves para um lado e perguntei o que poderia servir. Sayuri preferiu um licor de menta e Lara um Black. Trouxe as bebidas e desculpei-me – tinha que tomar um banho. Ao retornar à sala, peguei as duas abraçadas e trocando um beijo. Já não havia mais espaço para surpresas; apenas para constatações. As duas me viram estático e riram, chamando-me para que me acomodasse no sofá junto a elas.

Sem cerimônia, Lara colocou o pé no meu colo – um pé gordinho, diferente do pé mais magro de Sayuri, tanto no desenho como na proporção dos dedos. Fingi que não percebia a insinuação e me pus a conversar sobre as seções que havíamos presenciado. Minha irmã calou-me com um beijo na boca e começou a apertar-se contra mim. Vi que Lara se excitava e que Sayuri a mantinha à distância e percebi o nervo psicológico do ménage que se anunciava.

Dali por diante minha irmã Sayuri e eu nos servimos da ansiedade de Lara, nos alimentando de sua angústia. Lara procurava algum tipo de troca, deixando-se dominar para merecer carinho e atenção. Debalde: quanto mais enxergávamos sua necessidade, mais a atormentávamos com nossa negativa. Criávamos situações em que acenávamos com um possível conforto; para ao fim negá-lo e iniciar um novo ciclo de excitação e sublimação.

Foi assim que Sayuri me comeu, sentada sobre meu pau, enquanto fingia que daria alguma trégua para que Lara se saciasse em algum momento. Ordenava que Lara se virasse e mostrasse as nádegas abertas, dava-lhe palmadas, mas sequer a masturbava. Segurava meu pau duro e o mostrava a Lara e, quando esta estava por fazer algo, Sayuri o abocanhava e a afastava. Quando notava que Lara se masturbava, dava-lhe esperanças com um beijo lascivo, que parava à meia, interessando-se por outra coisa.

Por fim, após ordenar que Lara nos adorasse os pés – inclusive o meu horrendo exemplar – Sayuri inciciou uma seção de castigos, aplicando tapas na pele alva de Lara, deixando-a avermelhada por toda a parte. Juntei-me à minha irmã nos castigos até que percebi que estava dando um enorme prazer a Lara, que se excitava a cada momento em que minhas mãos estalavam nas suas nádegas. Enfurecido por ter sido pego na lorota, pedi que Sayuri prendesse Lara, de quatro, aos pés de uma mesa de centro que, virada ao contrário, parecia uma roda. E, assim, da forma mais cruel, enfiei-me no ânus de Lara, com tal violência que arranquei-lhe gritos. Enquanto isso, minha irmã Sayuri empanturrava-se com a cena, agindo às vezes como um maestro, às vezes como um pintor. Deleitava-se com a dor tornada prazer tornado dor; bebia em minha fúria; e masturbava-se esfregando-se por todo lado em qualquer superfície.

Terminamos ali, exaustos e malditos, e também benditos. E, assim que pudemos, explodimos numa gargalhada a três que fechou bem fechada a nossa jornada; como deixou aberta a porta para outras. Satisfeito, não precisei de mais explicações ou justificativas para o incesto. Bastava-me saber que minha irmã estava feliz e provavelmente curada do casamento mal sucedido.

Dormimos e acordamos os três juntos, em abandono. Levantando-me primeiro, trouxe um suco de laranja para cada uma. Enquanto bebiam, me perguntava se conversaríamos sobre o que ocorrera. Uma das alternativas seria prosseguir como se nada houvesse acontecido. Essa era a minha alternativa. Entretanto, como se a noite não tivesse terminado, Sayuri puxou Lara para si e deu-lhe um beijo. E, atraído inexoravelmente para o redemoinho daquelas duas, lá fui eu servir de escravo novamente.

13jul10


Para A/, que já foi R/

FETICHES (Primeira Parte)


Minha irmã e eu nos damos muito bem desde pequenos. Na verdade, somos os melhores amigos um do outro. De maneira que, há algum tempo atrás, quando ela separou-se do marido calhorda, preferiu vir morar comigo ao invés de retornar à casa de nossos pais. Nosso apartamento é grande e confortável; temos a facilidade de nos fazermos companhia quando desejamos ou tratarmos de nossa vida, quando é o caso. Na maior parte do tempo, nossa troca de confissões e amabilidades – da qual decorre uma intimidade cúmplice – precipita toda sorte de influências recíprocas. Assim, foi natural que a combinação de nossa curiosidade nos tenha levado, os dois, a fazer parte de um mesmo grupo de fetiches.

No princípio, entrávamos numa sala de bate-papo de um provedor e ficávamos observando as conversas e fazendo algumas molecagens. A maioria dos que freqüentavam a sala era séria; isto é, encarava seriamente seus fetiches. Eu ficava entre aqueles que se divertiam com as preferências bizarras dessa maioria; enquanto minha irmã gostava de trocar salamaleques góticos com dominadores e escravas.

Deu-se então que fomos convidados a um encontro num bar do Centro e lá fomos "conhecer" os conhecidos. À primeira vista, éramos apenas um grupo falador que tomava cervejas, uísque e o que seja, e trocava idéias, identificando cada qual o que lhe aprazia mais. Uns confessavam alguma ambigüidade, dizendo-se “switchers”, enquanto outros declaravam abertamente sua preferência por castigos físicos que envolviam “clamps” aplicados aos mamilos ou corretivos a golpes de vergasta. Havia também um pequeno grupo de pessoas delicadas, apreciadoras de pés, que se tratava a sussurros e miúdos risos. Foi com esse pessoal que minha irmã se enturmou melhor.

Com tantas novidades, o tempo passou veloz. A poucos instantes da hora de partir, quando todos já estavam etiquetados conforme suas preferências, uma das participantes abriu uma maleta e dela retirou várias peças e brinquedos utilizados em seções de toda ordem: algemas com e sem proteção; argolas e pregadores; lingerie exótica; e assim por diante. Feitas as escolhas e pagos os pertences, fomos indo dali aos poucos, caroneados alguns, a pé outros, não sem antes combinarem os coordenadores um novo encontro, agora na casa de um deles.

Naquela noite ficamos acordados até mais tarde, falando de nossos desejos e fantasias e comentando cada personagem que havíamos visto no encontro. Fiquei feliz em perceber que a animação da minha irmã a fazia esquecer os maus tratos dispensados pelo ex-marido, e deixei-me convencer a ir ao próximo encontro.

Poucas vezes vi minha irmã tão bonita e “soigné” como na noite em que iríamos ver novamente nossos conhecidos da sala de fetiches. Era fato, portanto, que essa nova porta havia aberto o caminho para que sarasse sua alma e se renovasse. Perfumados e prontos para o novo, lá fomos nós para o Parque Guinle, local onde ficava a casa do encontro.

Já na curva da Rua Campo Belo foi difícil prosseguir. Saltamos do carro e entreguei as chaves ao valet que me abriu a porta. Dali prosseguimos a pé por uns cem metros até a mansão onde nos aguardavam. Fomos recebidos com a gentileza própria do grupo e rapidamente nos pusemos a passear pelas salas, observando os demais convidados e participando de algumas conversas.

Em dado momento, algumas seções se iniciaram. Aqui um dominador e suas escravas se exercitavam; ali uma escrava cadela servia ao seu senhor; mais adiante, como num palco, um dominador atava sua escrava usando da complicada arte do "Sokubaku" ("bondage" japonês). Também observamos uma domme disciplinar seu escravo, que implorava por atenção. Finalmente fomos parar numa saleta onde havia um belo sofá e, nele reclinada, uma conviva que esticava o pé para um admirador sentado numa banqueta à sua frente. Minha irmã cumprimentou e foi cumprimentada. E em seguida reclinou-se também no sofá, esticando o pé. Todos fizeram “ahhh”. O pezinho de minha irmã é perfeito e, desde pequeno, estou acostumado a comparações com o meu pé de lavrador, de modo que achava comum aquele pé adorável – opinião que, agora, era obrigado a rever.

O podólatra que prestava homenagem à mulher que antes ocupava sozinha o sofá, imediatamente tornou-se para minha irmã que, feliz, deixou que ele iniciasse o ritual em seu pezinho direito. Curioso, e disposto a não deixar que minha irmã provocasse ressentimentos, puxei célere outra banqueta e fui imitando meu colega na adoração ao pé da moça temporariamente abandonada. Quando estava a meio, notei o olhar de fúria que minha irmã dirigia ora a mim, ora à minha parceira. E vi que não era propriamente furiosa que minha irmã estava: ela estava sofrendo de ciúmes de mim!

Achando curioso o ciúme de minha irmã, pedi para trocar de banqueta e par com meu colega, que teve que ceder diante das evidências. Pude, então, divertir-me com ela, enquanto observava o par contrariado a meu lado. E também pude me iniciar: primeiro acariciei o pé de minha irmã, lenta e completamente; depois beijei-o, continuando pelos tornozelos. Na medida em que fui subindo meus carinhos a saia que cobria as coxas de minha irmã foi-se abrindo, até que pude ver, embaraçado, o “V” das calcinhas.

Surpreendi-me, então, com uma ereção incontrolável e minha irmã, percebendo o que estava acontecendo, baixou o pé e começou a pressionar meu pau duro. Mais um minuto e nos levantamos e caminhamos em direção ao primeiro corredor. E assim que nos sentimos longe das vistas dos demais, nos abraçamos e apertei minha irmã contra a parede enquanto ela usava as coxas para excitar-me ainda mais. Fomos nos amassando um contra o outro, cada vez mais angustiados. Apertei seus seios, procurei sua boceta com os dedos, enfiando-os por debaixo da calcinha e conseguindo abri-la e esfrega-la; enquanto isso, minha irmã palmeava meu pau e, com habilidade, conseguiu pô-lo para fora. E ficamos ali, nos masturbando, até cansar e gozar.

Antes de voltar ao lugar de antes, ajeitei-me como pude, tendo algum sucesso. Levando minha irmã pela mão, acudimos à saleta, onde o mesmo casal havia terminado o ritual de podo. Minha irmã sentou-se lado a lado com a outra mulher, trocando risos e abraçando-se. Percebi, então, que já se conheciam; e que lhes dava gosto deixar os basbaques acompanhantes sentindo-se excluídos. Havia um traço de vingança nos olhos de minha irmã, e de cumplicidade também, quando, levantando-se as duas, ela pediu-me para irmos embora, dando uma carona à amiga.

13jul10


Para A/, que antes foi R/.


segunda-feira, 5 de julho de 2010

WW II


Domingo de manhã atirei na minha cabeça e a pistola falhou. Desisti de me matar. Sábado havia ido à casa desse conhecido que negocia com armas para colecionadores. Fingindo interesse na mais barata, pedi para atirar um “round” com uma Beretta. Deixei o dinheiro do depósito e fui para casa me educar com a Beretta e munição. Dei dois ou três tiros no terreno baldio e achei que era o suficiente para não errar na hora H. Não contava com a maldita porcaria desses produtos “made in Italy”... Pior que isso só minha mulher, Angelina – católica fervorosa e uma carcamana infiel de uma figa. Há duas semanas peguei-a na cama com um outro carcamano, amigo dos meus sogros. O sujeito fugiu enquanto ela caía de joelhos e me pedia perdão em nome de Santa Rita de Cássia – sua santa de devoção. De olho na grana que perderia se a mandasse embora, resolvi perdoá-la e, juntos, espiamos nossos pecados com a ajuda do Padre Marianetti. Reconheci que andava bebendo demais, e até batendo um pouco na Angelina; em troca, minha mulher prometeu-me obediência e respeito. As coisas andaram bem por alguns dias, até que, numa noite, cismei de comer o rabo de Angelina sem usar o azeite prima pressione que dormita no criado mudo. Diante da recusa dela em ser imolada, dei-lhe um tapa de leve e saí para beber e jogar bilhar com meus amigos. “Arre, por que promete?”, pensei enquanto ouvia o choro e a chuva de impropérios piemonteses assacados por Angelina. Não deu um par de dias e lá surpreendo minha mulher de novo, dessa vez com o mulatinho chinfrim – um tal Maicon – que faz as vezes de entregador do mercadinho do meu sogro. Aí me deu vergonha e decidi me matar, principalmente porque Angelina ria e eu via que não tinha remédio. E aí está a razão do meu suicídio tentado. Agora que passou o susto e que caí em mim, voltei lá no conhecido das armas. Devolvi a Beretta e, desta vez, escolhi uma Luger P08 – a popular parabelo – já que os alemães estão por cima e a azzurra por baixo. Deixei a grana do depósito (muito mais grana) e dei mais dois ou três tiros no terreno baldio. Cheguei em casa fingindo de bêbado, dei dois tapas na Angelina e disse que ia sair com meus amigos. Bati a porta e, na volta da escada, fiquei esperando. Quando a porra do carcamano ou do mulatinho aparecer eu passo fogo. Aqui que eu me mato prá valer!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Poeminha Para Os Temores De V/



hoje, quando acordei,
uma dor fina e quase
insuportável
feria o céu da minha boca.
mexendo-me muito pouco
com o cuidado que anos de prática
me fizeram aprender
percorri o espaço entre a cama e o espelho e me vi
e ao tridente que já havia perspassado
a minha língua em direção
ao meu nariz...


02jul10

quinta-feira, 1 de julho de 2010

As Paredes da Lembrança do Presente

Há uma semana reli “O Apanhador no Campo de Centeio” numa edição antiga, surrupiada da biblioteca de meu pai. Reli, também, “As Cartas a Théo”. Enquanto repassava este último, ia me transportando para o campo em que se dá a cena do suicídio de Van Gogh – memória do belíssimo filme de Altman, com Tim Roth no papel do pintor suicida.

De alguma forma fui montando um puzzle de memórias, algumas passadas e outras cinzeladas na roseta do Eterno (eu). Quer dizer, o puzzle montou-se a si mesmo já que faz tempo não sou nem o dono nem o plenipotenciário controlador das vadiagens de minha mente.

E eis ali, na minha frente, o campo dourado que cobria tênue a boceta de minha amiga. “Não faz jus a ela...” penso, rompendo com a imagem, “... não faz jus a ela...”. Realmente, a tal imagem nada diz do banho de quarenta e cinco minutos que precede a cena. Nem refere a diversão que era ter minha amiga comigo, dormindo e acordando. Nem relata as histórias que me contava e eu fingia acreditar (acreditando mesmo). Nem dá pistas do que ela criava do nada para assuntar alguma coisa, para armadilhar minha risada. Nem leva ao gesto mandrake que nos fazia esquecer o parágrafo para iniciar outro.

Falo corrente e coerentemente de eternidades e recordo, de passagem, algumas cantigas de santo. Faço isto tudo com o élan de quem pedala assobiando. É que tenho certezas testadas pelo tempo – hoje minha amiga me escreveu.

Para NNz.
=01jul10=