domingo, 20 de maio de 2012

Au!

A mulher de Seu Ruy tinha um cachorrinho de pelo curto que sentia muito frio. Carente, tolo e chato, o animal servia, porém, para algo importante: mal pressentia a aproximação de Dona Mércia no portão, desandava a latir. Por sua qualidade alarmista, Seu Ruy chamava-o de “Au!” [assim mesmo, com bastante ênfase], enquanto Dona Mércia tratava-o por “meu cachorrinho lindinho da mamãe”.

Enquanto Dona Mércia era uma flor de pessoa, sempre alegre e disposta a distribuir boas palavras e bons dias, Seu Ruy era um cafajeste muito parecido com o canalha Palhares, personagem de Nelson Rodrigues, que dava em cima das cunhadas, apertando-as nos corredores do apartamento.

Entusiasmado praticante da fornicação, Seu Ruy dava preferência à empregada bunduda e às amigas e comadres de Dona Mércia, promovendo encontros vespertinos, e mesmo alegres surubas, no próprio lar. De maneira que “Au! era bastante útil a Seu Ruy para dar o alarme da chegada iminente de Dona Mércia quando estava a empirolhar a mucama ou alguma dona, ou donas, no leito matrimonial.

Sujeito esperto, Seu Ruy tratava muito bem de “Au!”, a ponto de haver arrumado uma caminha e um cobertorzinho para o friorento cãozinho ali perto do fogão, mimando-o com sopinhas e bocaditos especiais.

Sucede que dias atrás, aproveitando a folga da empregada (que, além de bunduda, era intrometida e ciumenta), Seu Ruy combinou um encontro caseiro com Dona Rosalva, a melhor amiga de Dona Mércia. Assim que, esperou Dona Mércia sair, preparou-se de adrede e, um pouco antes da hora combinada, amornou uma sopinha para “Au!” e o deixou enroladinho na caminha antes de atender à porta.

Dona Rosalva era um estouro de quarentona. Ancas largas, peituda, era também muito feminina. Por onde andava deixava aquela fragrância de Fleur de Rocaille pelo ar. Assim como deixava no ar o fru-fru das meias de seda, calcinhas rendadas e demais peças de lingerie esfregando-se umas contra as outras e contra a pele deleitosa de seios, nádegas, coxas e joelhos.

De maneira que o intróito da adúltera relação demorou muito pouco e logo estavam, Seu Ruy e Dona Rosalva, passando ao prato principal na mesma cama onde Dona Mércia se posicionava, uma vez por semana, para receber seu missionário esposo. O momento era sublime, embora nada criativo: Dona Rosalva de quatro, a belíssima lua movimentando-se tipo “Besame Mucho”; e Seu Ruy resfolegando aos sussurros de “meu amor”, “minha putinha”. Eis que, exatamente quando Dona Rosalva já dizia “mete bem, seu cachorro” e Seu Ruy gritava “vou te arrebentar o rabo, cadela”, aparece na porta a proprietária da cama.

A indescritível cena passará em branco mesmo porque não há como retratar o clima, a movimentação, o pernas pro ar, o pula-pula, a chuva de impropérios e a confusão que se seguiu. Dona Rosalva conseguiu escapar das sapatadas e, lépida, com traseiro e peitos balançando-se, encontrou a saída e zarpou escadas abaixo. Seu Ruy, apologético e de joelhos, tentava agarrar-se às pernas de Dona Mércia, que exibia seios e nádegas enquanto dizia que esfregaria seus dotes na cara do primeiro. Enfim, uma cena que os Anjos no Céu e Lucibel no Inferno chamariam, em coro, de dantesca.

Termina que o bom coração de Dona Mércia vitoriou-se sobre o amargo fel do ressentimento. E, sentada na cama, a pobre esposa – duplamente traída – acaba aceitando um copo d’água com açúcar que o pressuroso Seu Ruy se oferece a buscar. O marido infiel, então, escapa rápido para a cozinha, preparando o pé direito para chutar com força os fundilhos do distraído “Au!”. Quando lá chega, sente imediatamente o cheiro de gás e vê, ainda enrodilhado na sua caminha, o defunto cãozinho cujo alarmado latido será ouvido apenas do lado das eternas putarias celestiais...




Pero Vaas=19mai12

Dedicada aos amantes dos animaizinhos domésticos.