sexta-feira, 13 de julho de 2012

Carcaças

objetos, objetos, objetos/tenho-os tantos.../as gavetas lotadas/se assemelham a frases/a parágrafos/que guardam palavras/que envolvem letras/que são o nada/à busca do tudo.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Manoela e Joaquim


Manoela e Joaquim, amigos para sempre, passeavam pela orla depois de entornar algumas tequilas. O papo estava sem direção até que Manoela atirou:

-- Na próxima encarnação quero vir boazuda, loura, gostosa, burra... e me casar com um fazendeiro rico....

-- Ahhh, na próxima encarnação eu quero vir garoto de programa, com um daqueles paus cinematográficos, que nunca dormem...

-- É... a gente podia atá ser amantes...

-- E matar o fazendeiro rico... Que tal?

-- É....

Mais alguns passos e mais alguns risos.

-- O problema, Manu, é que gosto de você assim. E sendo burra, tendo outra cabeça, você seria outra pessoa...

-- É, mas sendo bonita e gostosa não ia ter que me preocupar em ser inteligente...

-- Mas, hummm... não é só a inteligência...

-- Vai dizer que é esse corpão? Haha... já usei muita minissaia, mas agora não...

-- Né não, Malu... acho que é a tua natureza, tua maneira de ser. Tem a ver com tua inteligência? Sim, mas tem algo mais: atitude, sinceridade, rapidez e um certo aventurismo...

-- Aventurismo, rapá? Que isso!

-- É...aventurismo. Falta de medo, peito aberto...

-- Peitão?

Manoela tem esse dom de fazer Joaquim rir; em qualquer circunstância, desarmando qualquer pensamento mais heavy note.

-- Puxa, Manu... sério... Você pode até ter essa casca aí que você quer, mas ser você.

-- Bem... não acho... a casca é parte do ser, entende?

-- Como a arquitetura de certa maneira determina a engenharia?

-- É senhor Joca... mais ou menos.

-- Mas qual a graça de ser a aquela mulher que você quer ser sem ser essa mulher que você é, pra ver, observar, mexer, fazer fazer?

-- Aí a mulher gostosona, bunduda, peituda que eu quero ser não ia ser... porque a mulher que eu sou ia ficar forçando ela a fazer coisas que não seriam da natureza dela...

-- Você quer dizer que você não seria ela... futz! Acho sem graça essa dona reencarnada.

-- Mas você seria um garoto de programa, pauzudo, forever... o par perfeito... ia gostar mesmo da mulher boazuda e burra.

Andaram mais um pouco... Joaquim pensando, pensando, e depois dizendo.

-- Me interessa é você assim... esse teu abraço, essas tuas qualidades incríveis... essa dona reencarnada não me surpreenderia... quer dizer, esse tipo de gente não me atrai... não me atrai loura-maromba... nem é questão de não ser inteligente... não sei lidar com essas donas.

-- Mas esse eu assim e esse você assim não transam nem mesmo catam. Acho que to procurando algo mais excitante numa ficção.

-- Sei, Manu... somos melhores amigos... e isso é demais. Acho que você está ficcionando pensando num aqui-agora que só seria possível numa história de reencarnação... Na verdade, essa conversa é apenas um divertimento.

Mais alguns passos e Manoela se manifesta.

-- É sim... um divertimento.

-- Na verdade, eu acho uma porra essa mulher que você quer ser... e meu pau de pilastra não está nem aí.

-- Opa!

-- ..............

-- .E se eu fosse uma odalisca no harém dum xeique?

-- Não serve também. Pode ser mais fantasista, mas não serve...

-- ...............

-- Mudando de assunto, Manu, você fica por cima e esborracha o cara que está embaixo?

-- Me movimento bastante.

-- No sexo tântrico a mulher, a deusa, fica sempre por cima. Não é bem comandando... é dividindo a responsabilidade do gozo dos dois.

-- Parece bom. Mas de lado também é. De lado, de quatro... não gosto de me limitar.

-- Tem uma coisa que eu gosto demais em ti, que é o astral, o bom humor sempre, desanuviado.

-- Legal, somos os dois assim, um com o outro.

-- Esse teu bom-humor, Manu... você ri quando transa?

-- Às vezes...

-- E conversa quando transa?

-- Assuntos picantes.

-- Não... to dizendo conversas em geral. Às vezes uso isso pra prolongar, segurar a onda. Às vezes sai naturalmente... Tipo cata-conversa-cata-conversa...

-- Sem tirar?

-- É... sem tirar.

-- Sem ficar gago?

-- Hahah... porra, Manu, aí sái....

-- Não sou perfeita, tenho falhas... haha.

-- Tem nenhuma não, Manu... vem cá...

Seguiram conversando abraçados, os melhores amigos de sempre.

Perov=12jul12

No Title


silente/quase inerte/(so I hear her)/passa/e diz:/"Noite"/e de repente alegra meu rosto/com uma pergunta qualquer/e me faz lembrar/muito bem/como é ancestral e bela/em seu silêncio/noturno...

terça-feira, 3 de julho de 2012

Uma história mal acabada


Não adianta. Sou mesmo desconfiado. Sempre fui. E, se me perguntarem, não há razão para isso. Meus pais nunca me surpreenderam com uma paulada na cabeça, ou algo assim do gênero. Nunca fui maltratado por professores ou colegas de classe. Meus amigos jamais usaram contra mim qualquer coisa que eu lhes tenha confiado. Minhas namoradas nunca me traíram. Mas... assim mesmo, sou desconfiado.

Não sei se ser como sou tenha me livrado alguma vez de uma punhalada nas costas. Não sei porque a desconfiança, em mim, não é uma atitude pensada, ou uma estratégica. É da minha natureza.

Toda vez que tenho que falar em público me preparo bastante. E, quando entro no recinto, olho os assistentes nos olhos, um a um, buscando quem irá me puxar o tapete. Mas nada acontece. Incrível como, sendo meio acabrunhado (que é a expressão corporal que uso para despistar os mal-intencionados), consigo despertar uma certa simpatia. A ponto de dizerem-me que tenho “carisma”.

“Carisma”, ora bolas, tem quem tem. Não eu. Nem faço questão de ter. Quero que me deixem em paz. Que não me sigam. A idéia de que especialmente me queiram me transtorna. Quem lhe quer, quer lhe transformar. E, se não consegue, quer vingar-se. Assim, faço questão de não seduzir ninguém, de não encantar ninguém. E, por anos esperei encontrar uma mulher anódina.

Foi assim que conheci Maria (não é o seu nome, mas fica sendo, para o caso de alguém querer usar isso contra mim). Era a aluna menos destacada da classe. Vestia-se como que para esconder-se. Nem querendo conseguia-se imaginar os seus seios, as suas ancas, os seus pés. Teria freqüentado uma igreja evangélica sem despertar qualquer estranheza. Ao menos por sua total sensaboria; já que não seria capaz de dizer “amem”, nem para si; mesmo que o próprio Cristo aparecesse e falasse com ela.

Pois bem. Nosso primeiro encontro teve causa e desenlace que não me recordo – isto prova como foi indiferente. Com o tempo, trocamos um beijo e ela deixou-me tocar-lhe um seio. Sem perplexidade ou qualquer outra reação. Estava escrito que iríamos nos casar.

Tivemos dois filhos. Todos os dois de parto normal; assim como normal foi sua gravidez. À noite dividíamos nossa atenção entre eles e a televisão. Maria gosta do Jornal Nacional e eu gosto de rodar pelos outros canais. Nada dramático. Ajeitávamos tudo organizada e perfeitamente assim, Maria podia tratar de suas coisas e eu dos meus livros e escritos..

Até que ontem à noite, quando eu estava por iniciar minha primeira aula do semestre, sentou-se bem á minha frente aquela garota estranha. Quer dizer, era estranha porque exatamente me chamou a atenção e meu truque de ficar olhando nos olhos não resultou em qualquer diagnóstico.

A garota estranha chama-se Joana (outro nome trocado, se me perdoam). E veio se apresentar ao final da aula, congratulando-me pelo ponto bem dado. Nunca tinham feito isso. Pegou-me no contra-pé. Ao invés de acabrunhado, fiquei animado. Estava também escrito que haveria algo entre nós.

Três meses depois do início das aulas Joana procurou-me para dizer-me que estava grávida. A punhalada atingiu-me sem que eu previsse. “Mas como?”, perguntei. E afirmei, quase batendo com a canela na mesa, “Usamos preservativo todas as vezes!”. E Joana respondeu-me simplesmente “Não sei.”. E saiu.

Na verdade, nosso sexo era selvagem. Pelo menos para mim, que nunca havia conhecido algo distinto da posição missionária com Maria e a cautelosa masturbação de lavatório quando era adolescente. E Joana era sempre a caçadora e eu a caça, que se regozijava quando, ao revés, fincava-lhe a lança bem fundo no profundo mesmo da noite escura do seu entre-pernas. Desculpem-me o arroubo poético, mas era assim que me sentia – um Casmurro convexo, alucinado. Durante uma dessas devia ter esquecido de usar o contraceptivo.

Com Joana, larguei de lado a desconfiança e assim fui compensado. Uma gravidez não encomendada. Uma confusão dos diabos. E um completo despreparo para enfrentar a situação. O que eu falaria para Maria? A pergunta remoeu-me por dez dias, ao fim dos quais, ao entrar em casa, surpreendi-me com Joana e Maria conversando finamente no sofá da sala.

“Desastre!”, pensei. E não me mexi. Até que ambas me chamaram e sentaram-me, bonitinho, na poltrona do papai. Ali mesmo, na frente da TV, só que virado para elas. E aí me puseram a par, tim-tim por tim-tim, do que haviam acordado, que resumirei, poupando os detalhes: (a) Maria ficava com o apartamento e uma pensão que era mais ou menos a integralidade de todos os meus salários de professor e a metade do estipêndio como Procurador da Fazenda Nacional; (b) sobrava-me o apartamento deixado por meus pais (lembrete: despejar o inquilino) e as economias depositadas no banco do Brasil; e (c) o que sobrava para mim seria utilizado para criar meus filhos (até então três) até terminarem a faculdade. Ponto.

Não tugi nem mugi. Saí de casa com um par de ternos, algumas camisas, suficiente roupa de baixo e algumas calças. No dia seguinte aluguei um apartamentinho no Catete. Instalei uma cama grande onde agora passo as horas me exercitando com Joana – que, a final, não estava grávida coisa alguma. Por precaução, sempre que chego em casa olho em baixo da cama e dentro do armário do quarto. Seguro morreu de velho. E eu ainda sou novo.

Pero Vaas = 03jul12