sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Breve Conto de Natal

Noel é um sujeito distinto. E Alzira, esposa dele, é uma senhora de fino trato. Os dois formam um casal agradável. Assim, não se sabe como nem por que, na véspera de Natal aconteceu aquela pancadaria, aquela gritaria, no 805.

Dizem que casais muito certinhos sempre escondem uma história complicada, às vezes de terror. Este seria o caso de Noel e Alzira, que juntos voaram da janela do apartamento e se estatelaram em cima do Fiat novinho do seu Geraldo, quebrando o para-brisas, afundando o teto e deixando um rastro de sangue antes de quicarem para a calçada.

Dona Ermengarda, antes mesmo do rabecão chegar, já tinha uma interpretação para os fatos: a Alzira havia descoberto o caso do Noel com aquela empregada deles – uma mulata de bunda grande e cinturinha fina que fingia que se esfregava com o zelador Alcides, mas andava mesmo era com o patrão.

Já o Alcides, que não queria confusão na história, afirmava que havia visto o casal discutindo algumas vezes sobre uma herança de um tio distante - um camarada que tinha muita terra, muitas fazendas, em Goiás, e que morrera só e sem filhos.

Enfim, os adultos procuravam esconder o rosto das crianças e as crianças procuravam ver de perto o conjunto de ossos fraturados, os membros e pescoços desconexos e a cara disfigurada de Noel e Alzira, gritando: “olha o olho dela!”... e coisas que tais.

Depois que os corpos de Noel e Alzira foram recolhidos, ainda se ouviu comentários e versões. Até que a vizinhança começou a se aquietar e foi-se dispersando. E alguém falou algo como “este será um Natal inesquecível...”

Na manhã do dia 28, eu estava na portaria quando chegou a Jacira, a tal mulata bunduda que supostamente servia o melhor do jantar ao patrão. Pude observar suas feições (e o restante, é claro) quando o Alcides contou da morte violenta de Noel e Alzira. E pude ouvi-la dizer, dando um enfático tapa na testa: "putamerda, dona Alzira errou de novo a receita de rabanada da falecida genitora do doutor Noel!..."