quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O Anjo Anunciador

Estava sem sono dia desses e saí para dar uma volta. Ao dobrar a primeira esquina, vi um vulto conhecido. Era Bruna, minha amiga, que saíra insone também.

Começamos a caminhar juntos e fomos indo até que nos demos conta de que o sono não viria. Procuramos, então, algum lugar para sentar e conversar. Infelizmente, com a Lei Seca e os assaltos, os bares da vizinhança estavam todos fechados, embora não fossem as duas da madrugada. Decidimos ir para a orla da praia do Leblon e, lá chegando, sentamos num banco de pedra e prosseguimos a conversa.

Bruna estava preocupada porque essa era a noite da quarta lua cheia em que não conseguia dormir. Os pensamentos que não a deixavam repousar eram sempre os mesmos: a chegada da Terceira Fase do Galáctico Dois. Na verdade, a ansiedade de Bruna decorria de não saber ao certo a data precisa do início da Terceira Fase, e de desconhecer como reconheceria o Anjo Anunciador.

Fui ouvindo a história e me assustando. A razão de minha insônia era a mesma dada por Bruna – a ansiedade pré-Terceira Fase. Quando terminou o relato, perguntei-lhe se havia tido algum sonho estranho na primeira noite de sono após o incidente que descrevera. Disse-me que sim, que sonhara por três vezes com uma figura feminina que bebericava champanhe brût rosé do início ao fim do sonho, harmonizada com ostras que pescava de um grande recipiente de prata. Era o mesmo sonho que eu havia tido com aquela estranha mulher, que nada falava e passava longas horas naquele exercício.

Ao término da troca de informações, nos calamos então. E ficamos calados até que lembrei-me de que havia duas garrafas de Cordoníu Brût Pinot Noir na geladeira de casa, repousando desde que passei pelo Free Shop do Galeão. Propus que fôssemos tomar a bebida juntos com o intuito de decifrar algo dos sonhos que ambos tínhamos tido. Bruna aceitou o convite e lá fomos nós de volta para casa.

Ao acender as luzes da sala, pude ver com mais clareza minha amiga. Novamente espantei-me: sua semelhança com a mulher que aparecera em meus sonhos era gritante. Não me havia dado conta disto não sei por que. Mas agora, comparando as duas, perguntava-me como tinha deixado passar o fato.

Bruna riu de minha expressão de espanto e pareceu tranqüila quando lhe contei o que havia pensado. De toda forma, vencida minha surpresa, trouxe a primeira garrafa, saquei a rolha sem estardalhaço, e servi nossas taças. Brindamos e, quando olhei para Bruna, a vi sentada exatamente como a mulher do sonho sentara diante de mim. E antes que eu falasse qualquer coisa, Bruna antecipou-se e disse, tentando acalmar-me, que era o Anjo Anunciador e que os sonhos tinham sido a melhor forma que encontrara de antecipar o encontro.

Aos poucos fui pacificando as batidas do coração, embalado pela voz e pela firmeza de Bruna. Quando lhe fiz menção às ostras, Bruna respondeu-me que as ostras significavam “aquilo que guarda o segredo”. Para ilustrar, Bruna revelou-me o alvo colo, mostrando-me o estigma que lhe adornava o entresseios. Dei-me conta, então, do intenso magnetismo que Bruna exercia sobre mim, como se fosse a Lua revelada pelo céu escuro, controlando o movimento das marés. Pensei na Sacerdotisa, segundo arcano maior do tarô; e também pensei na Lua, décimo - oitavo arcano maior. Em ambos os casos, a profundidade da revelação do Anjo era maior do que eu poderia detectar de um vôo.

Não sei como consegui levantar-me para trazer a segunda garrafa de champanhe. Sei, isto sim, que quando retornei à sala dei com Bruna despida, ainda sentada no sofá. Servi as taças novamente, brindamos e, quando me preparava para sentar, Bruna abriu os braços e depois apertou-me contra seus seios. Em seguida me fez deitar em seu colo. Agora relembrando, sei que minha reação carnal seria a de iniciar as manobras amorosas que me levassem ao âmago e ao êxtase. Mas nada disso aconteceu. Ao invés, placidamente fui me acomodando em Bruna e finalmente dormi o sono dos inocentes.

Quando acordei, agarrado a uma almofada do sofá, abri os olhos e vi um prato de ostras fechadas sobre a mesa de centro. Durante aquela semana, e depois aquele mês, voltei aos meus estudos esotéricos e consegui abrir alguns segredos – um deles, devo confessar, enquanto atirava um Bakugan. Ao cabo de algum tempo, encontrei-me de novo com minha amiga Bruna. Como se tivéssemos um pacto, fiz de conta que nada acontecera. Fomos ao cinema ver “Atividade Paranormal 2”. Durante a sessão pude observar que o estigma do Anjo brilhava no escuro, iluminando os seios de Bruna. Nos beijamos e foi só isso que aconteceu.

Para minha amiga Bruna.

27OUT10

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Os Mortos da Minha Praia



o que há c'os mortos da minha praia?
o mar é o mesmo
assim o céu
a praia nem tanto
os sarnambis se foram
assim as marias da toca
onde foram parar os navios que os despejavam
ou de onde caíam, presos na rede ou dilarecerados
por pás e hélices
os mortos da minha praia?

é doce morrer no mar
- quem diz não se afogou ou nunca provou
daquela carne aguada
dos mortos da minha praia...

Pero Vaas - un poète romantique.


06out10

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Todos os Mares






Na barra da saia de minha mãe Yemanjá
Sentei-me e coloquei meu coração entre as mãos d’água
Olhei para o escuro horizonte
E para as embarcações lá longe
Junto das ilhas apenas outras ilhas
Fechei os olhos e ouvi o Mar do Norte
Toquei o fundo oleoso
Apertei com os dedos dos pés a mistura
De areia, calcáreo e sargaços
Ao longe também ouvi o sino do Marinheiro Só
Balancei e me equilibrei na proa
E fui bater indolor e agradecido
Na praia da minha infância.

04OUT10

domingo, 3 de outubro de 2010

O Muro e a Expectativa





vejo um muro
e nele colado
- entre tantos outros
antigos e novos
também colados
- um bilhete
sei que a mim é endereçado
um bilhete
e quem colou-o ali
imagina que o verei entre tantos
refulgente
único
em alto-relevo
e minha agonia é que não.


03OUT10