quarta-feira, 14 de setembro de 2011

As Botas de Lane


Lane andava muito triste, sem saber por que. Não tinha vontade de correr, nem brincar; ficava sentadinha no banco quando a professora liberava a turma na hora do recreio.
Isso era muito estranho, porque Lane era conhecida por ser muito alegre e engraçada. Chegava de manhã na escola e contava uma história nova. Todos riam muito e pediam outra, que ela deixava para o dia seguinte.
Mas nessa última semana tinha sido diferente. Lane estava muda, sem inspiração. Primeiro os coleguinhas perguntavam a ela o que tinha havido. Depois se perguntavam uns aos outros. E, como não havia resposta que coubesse, pararam de ligar pra Lane.
Na verdade, nem Lane sabia o que acontecia com ela. Mas sabia que tudo começara quando vira o menino novo sentar do lado dela. Naquele momento, o coraçãozinho de Lane deu um salto e ela perdeu toda a graça.
E o pior de tudo era que o tal menino novo não ria das histórias dela, nem mostrava interesse algum. Só queria jogar futebol com os outros meninos. E nada de dar atenção à Lane. Se ao menos ela jogasse futebol...
Contou tudo pra mãe, sua melhor confidente, que a consolou dizendo que meninos eram assim mesmo, diferentes de meninas; mas que, com o tempo, eles iam se compreendendo melhor e dando um jeito de ficarem amigos. De quebra, com um beijinho carinhoso, a mãe prometeu a Lane uma surpresa – que ela não disse qual era, claro, nem quando daria.
Mas coisas ainda pioraram quando veio na agenda o convite para a festa de aniversário de uma coleguinha. "E agora...", pensou Lane, "... eu não sei dançar... vou pagar o maior mico na frente desse menino...".
Naquele dia Lane foi para casa mais triste ainda. Desconsolada, nem fez o dever de casa. Atirou-se na cama de través, chorando. E estava no meio do choro quando viu um par de botas novinhas debaixo da cama...
"Uái... que botas são essas? Será que é a surpresa que mamãe comprou pra mim?", falou Lane consigo mesma. E logo calçou as botas, que ficaram certinhas no pé; muito confortáveis mesmo.
Lane se olhou no espelho e ficou muito alegre. As botas tinham sido feitas pra ela! E nem se deu conta quando, ao andar pra lá e pra cá, começou a ensaiar uns passinhos bem legais...
Foi uma tremenda surpresa se ver no espelho dando passos cada vez mais elaborados e difíceis, mesmo sem qualquer música tocando. "Será que essas botas são mágicas?", perguntou-se Lane. Nem quis saber da resposta; estava tão contente com a surpresa que ficou de botas o dia todo e só as tirou na hora descer para jantar.
Naquela noite, Lane sonhou que estava com um grupo muito bem treinado, dançando uma quadrilha. Eram todos coleguinhas da escola. E dançavam muito bem, com muita animação. Menos o menino novo, que ficara de lado, amuado e sem graça. Lane ainda guardava a sensação do sonho quando acordou no dia seguinte. Era sexta-feira e a festinha estava combinada para aquele dia.
As horas da escola passaram bem rápido. Lane estava mais alegre e chegou a pular corda na hora do recreio. Os coleguinhas ficaram alegres também, vendo que Lane voltava a ser o que era antes.
Naquela tarde, Lane escolheu o vestido rodado pra fazer muita firula no baile. Na hora de aprontar-se, calçou uma meinha e depois o par de botas, com muito jeito e cuidado. Olhou-se de novo no espelho e quase começou a dançar; mas já estava na hora da festa.
Desceu correndo as escadas e nem ouviu quando a mãe perguntou que botas eram aquelas. Foi logo entrando no carro do pai da amiguinha e disse “Pé na tábua, “seu” Pero”. Todo mundo riu e lá se foram pra festa.
O salão era grande, mas a meninada conseguiu encher a pista. A música era conhecida, a dança estava muito boa e alguns mais afoitos se contorciam. Lane chegou e foi logo para o meio do salão, sozinha. Dançava tão bem que todos paravam para vê-la. E nem bem estava se divertindo quando um menino após outro a puxava para fazer par.
No meio desse fuzuê, Lane viu o menino novo num canto, exatamente como no sonho, só comendo brigadeiro e sanduichezinho e tomando refri. Ficou meio que com pena, com vontade de ir até ele, mas não conseguia parar dançar, tantos eram os candidatos que parecia uma enorme fila.
Finalmente, num intervalo, Lane conseguiu tempo para beber um refri, fazer xixi e ir para perto do menino novo. Ele, tímido e triste, nem a cumprimentou, mas chegou para um lado, dando espaço para ela se ajeitar. Depois de um tempo, em que a música já começara de novo e Lane recusara alguns pretendentes, o menino novo falou, baixo e sem jeito: “Você dança muito bem...”. “Que nada...” respondeu Lane, “... você é que joga futebol muito bem; eu queria é saber jogar daquele jeito...”. Os dois riram muito e ficaram conversandinho até que se deram conta que a festa estava terminando e estavam tocando a última música.
Lane, então, pediu ao menino novo que dançasse com ela. Ele, a princípio, recusou, dizendo que não sabia dançar, mas a mão de Lane era doce e segura. E os dois foram para o meio do salão. Curiosamente, os passos de Lane foram se entrelaçando perfeitamente aos passos do menino novo e, quando a música terminou, os dois estavam dançando de rosto coladinho.
Antes de dizerem “bye”, o menino novo disse a Lane “Obrigado”. E Lane respondeu “Obrigada”, segurando nas bordas do vestidinho e ensaiando um cumprimento formal. E assim sorriram e partiram.
Chegando em casa, Lane deu um boa noite geral, piscou o olho pra mãe e subiu direto pro quarto. Atirou-se de través na cama, mas dessa vez não chorava. Só ria muito. Descalçou e arrumou as botas debaixo da cama, trocou rápido o pijama, escovou os dentes, fez xixi e foi direto dormir.
No dia seguinte acordou com a mãe abraçando. “Viu a surpresa que deixei pra você debaixo da cama?”, perguntou a mãe. Lane, bem sabida que era, fingiu que não sabia e foi procurar as botas. Qual não foi surpresa quando viu, no lugar delas um par de tênis-chuteiras novinho, e ouviu a mãe dizer “Seu pai vai ensinar você a jogar futebol durante o fim-de-semana... Não é legal?”.

Pero Vaas 14set2011 


[para minha amiga Lane, que anda borocoxô e merece um brake]

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