sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A Bela das Brumas

Malman, o bruxo, andava deprimido. Não era a solidão que oprimia seu coração, mas algo mais profundo, que tinha que ver com sua existência. Durante muitos anos criara para si o ambiente perfeito para seus afazeres – ali, na floresta, colhia todos os frutos e folhas e caçava todos os animais necessários ao seu ofício. E, quando não usava a clareira ou o lago para conjurar, na pequena choupana tinha o espaço ideal para preparar e estocar suas poções e pós especiais.

De quando em vez Malman reunia-se com outros bruxos. Bebiam, trocavam segredos, filosofavam e, de alguma forma, mantinham a tradição. Em que pese a alegria de encontrar velhos amigos, e exercitar línguas dos cinco continentes, o bruxo não via a hora de voltar para seu lar na floresta e esperar que passasse bastante tempo antes de receber novo convite para uma reunião de bruxos.

Mas agora tudo lhe parecia sem muito sentido. Malman sentia falta não sabia do que. Uma angústia apertava-lhe o peito e passava dias deitado no rústico catre, sem comer ou beber, apenas suando sob o monte de peles que o cobriam. Quando conseguia pôr-se de pé, sofria o peso da idade e imaginava-se um ancião de mais de cem anos. E, pior que tudo, a força de seus feitiços estava diminuindo rapidamente; de tal forma que não mais era capaz de sequer matar uma lebre ou mesmo um rato do campo. Então, num momento de reflexão, o bruxo chegou à conclusão que deixara de amar o que fazia e ainda não se apaixonara pelo que faria no futuro – estava numa encruzilhada de caminhos fechados.

Malman sentiu que seu caso era de vida ou morte. E, empurrado por sombria sensação, decidiu tomar uma providência. Fazia anos que recorria à noite para buscar a sua força interior. Ficava nu, de pé na clareira e, batendo um tambor cerimonial, entoava os cânticos que aprendera de um irmão shaman. Aos poucos entrava em contato com o mais profundo de seu ser; sua alma era a alma das árvores, do chão, de terra, do vento, dos animais, e pulsava ao ritmo da respiração do Cosmos. E assim tratou de repetir o processo: naquela noite de Outono, fechada e fria, com os ventos a pressagiar conluios, dirigiu-se à clareira, tirou as roupas do corpo e, ao som do tambor, começou a cantar seus mantras até que, rodando e rodando, cercado pela catedral gótica das árvores, sentiu-se envolvido por uma pira de fogo e luz e perdeu a consciência.

Acordou ainda era noite fechada. As nuvens cobriam a Lua de quando em vez e o preto e o azul-escuro eram a cor de quase tudo. Ouviu passos... alguém corria com urgência pelo caminho que dava na clareira. Protegeu-se, metendo-se as roupas de volta o mais rápido possível. E súbito uma figura assoma o lugar. Usa uma capa, mas é seguramente uma mulher... dá alguns passos, lança-se em sua direção e vai ao chão, desacordada.

O bruxo se apressa em socorrer a mulher. Ajoelha-se ao lado dela e afasta os negros cachos que lhe cobrem o rosto. “É bela!”, sussurra Malman para si. Tenta despertá-la, balançando-lhe suavemente os ombros. Mas a bela segue com os olhos fechados. Ele, então, a enrola na capa e levanta-a. Em seus magros braços leva-a para a choupana, onde pensa em preparar-lhe algo.

Malman está desacostumado a ter companhia em seu tugúrio, principalmente de uma mulher, e bela. Sem muito jeito, pousa-a no catre e desata-lhe o nó da capa. Com isto, abre-se a roupa revelando a alvura do pescoço, dos ombros e das mãos. Sem dúvida é uma bela mulher, de seios generosos e ancas arredondadas. Constatando isso, o bruxo se sobressalta, pois sente que pode perder o controle, o poder sobre si mesmo. Levanta-se de repelão e vai buscar água fresca para fazer um chá. Quando retorna, a bela está recostada no catre, fazendo um inventário do que vê à sua volta.

Ela começa a desculpar-se, mas o bruxo lhe faz sinal para calar. Deita-se de novo, cobrindo o colo com a capa. E fecha os olhos, confiante, enquanto o bruxo prepara-lhe um chá fortificante. Quando senta-se no catre, ao lado da mulher, ela lhe diz um simples “obrigada” e, antes de beber o chá, esclarece, sem dar motivos, que era a ele mesmo que procurava. Termina o chá e, ante o olhar inquisitivo de Malman, solta de novo a capa e abre o corpete, mostrando os imponentes seios de largas auréolas. Em seguida livra-se das saias, deixando à mostra o claro ventre e a sedosa coleção de pelos negros. Alça os braços e chama o bruxo para si.

Malman enlouquece ou cura-se. Num átimo está nu sobre a bela. Sorve-lhe os seios, beija-lhe a boca, penteia-lhe os cabelos, quer ver-lhe as coxas, beija a fenda úmida que encontra entre elas, prepara o caminho e entra na mulher como um tronco que se enraíza na terra. Vigorosamente vão se fundindo, acompanhando os compassos de uma música sobrenatural. Matam-se e revivem-se e tornam a matar-se. Mordem-se agora, animais da dor, do desespero e do prazer. Finalmente o prazer! E gozam.

Já é manhã e a luz do Sol entra pelas frestas da habitação. Os pássaros cantam e Malman desperta com o coração leve e feliz. Abre os olhos. E ela não está mais lá. Veste-se depressa e corre pela floresta, até chegar à clareira. Lá encontra a capa da mulher e, sobre ela, uma rosa vermelha. E ao ajoelhar-se para tomá-la, ouve ao longe uma canção que diz:

“É noite

e a Lua fria passeia no céu

entre nuvens escuras

que escondem as estrelas.

E quando a luz celeste consegue firmar-se

ilumina um vulto

cujo azul-escuro e o negro

perde-se na copa das árvores...

A noite mais uma vez se fecha

e a única claridade que se vê

diluída

é a da alva pele da Bela

entre as Brumas que levam seu nome...”

[18fev10]

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Para Dark Butterfly, uma amiga de outras paragens musicais.

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