Desde pequeno gosto da companhia dos mais velhos. Nas festas de final-de-ano, nos aniversários de família, sempre preferia ouvir as histórias de algum tio-avô a brincar com meus primos e primas. Os relatos eram repletos de detalhes curiosos e de memórias sobre um Rio, sobre uma época, que eu não conhecia...
A casa de meus três tios-avós era ali em Ipanema, onde agora ergue-se um edifício de luxo. Lembro que aquilo que era má notícia para os primos – visitar os velhos – era um prêmio para mim. Os móveis, a arquitetura da casa, o Citroen 11B, tudo era uma lição de art deco, que me fascinava. E as histórias, então, eram só para meus ouvidos e para a minha curiosidade. Fui crescendo e fui vendo meus tios-avós irem embora. Na última visita que fiz à casa, herdei algumas peças que guardo até hoje.
Agora vivo na parte mais jovem da cidade – de amplos espaços e arquitetura banal – onde moro num prédio onde residem muitos idosos. No meu dia-a-dia cruzo com um bom número de casais de velhinhos, que me cumprimentam simpáticos. Abro e seguro portas, faço comentários sobre o dia, e nutro o afeto que me dão. Alguns deles ficaram meus amigos desde o dia em que mudei; outros, com o tempo, foram se aproximando. De uma senhora ouço os lamentos de abandono familiar e procuro dizer palavras otimistas, que sei inúteis. Percebo achaques e mudanças na vida de meus amigos anciãos – este passou a usar uma bengala, aquele teve um AVC e se recupera, aquela teve problemas nos joelhos, operou-se e usa a piscina para se exercitar, dois deles perderam os cabelos na quimio... Vão todos ficando mais velhos ainda, curvados, secos; mas sigo amigo deles e, quando os vejo, saúdo-os com sincera alegria.
O triste deste convívio com os mais velhos é que todo o mês há uma nota de falecimento no hall dos elevadores. E lá vejo o nomezinho ou a foto de um vizinho que se foi. Recordo sua figura, abraço-o em meus pensamentos, arrepanho algum ensinamento que me deixou, penso no término de minha própria vida, peço por sua paz e digo adeus. Às vezes remôo um pensamento turvo – o abandono em que ficam aqueles velhos ao final de suas vidas, quando os filhos já se foram para outros lugares e os netos já estão crescidos e indiferentes. Tenho essa visão do fechamento de suas casas, da repartição de móveis e as pequenas riquezas que ainda restavam, da doação de roupas e objetos sem valor, como pares de óculos, talheres descasados, cacarecos...
Ontem mesmo isso ocorreu de novo. E lá estava o retratinho simpático do meu amigo no hall, junto a algumas palavras delicadas dos amigos e à marcação do velório e do enterro. E uma vez mais cumpri o processo de despedida. Só que, desta vez, ao terminá-lo, imaginando a partilha que provavelmente ocorreria em seguida, veio-me um pensamento interessante, que nunca havia entretido antes: a venda do apartamento de meu idoso amigo, traria para o edifício, com toda a probabilidade, uma jovem família – gente que ali criaria os filhos, participaria das reuniões do condomínio, se interessaria pela renovação dos elevadores e do hall de entrada, procuraria uma alternativa para economizar água e energia. Gente que traria consigo uma rede de novos amigos, de parentes, de crianças. De crianças...
A percepção do ciclo que se abre com o fechamento de outro ciclo encheu-me de boa vontade. Voltei à imagem do espiroqueta do DNA, um parafuso girando para frente, sempre. Voltei à compreensão do poder fertilizador do húmus. Voltei à dinâmica do movimento, à energia cinética, a tudo aquilo que nos propele. E, então, a idéia da morte expirou. Tornei a sentir-me parte da cadeia da eternidade e a acreditar que, quanto mais pequenino sou, no espaço e no tempo, mais sou capaz de dissolver-me e tornar-me o todo em um. “Tudo é significante!”, pensei, e de novo abracei meu amigo que agora sabia, para sempre, presente.
[07mar10]
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