Oxalufan de Carybé |
Estava no início d’ “As Águas de Oxalá”, livro de José Beniste [*], quando me surpreendi com o título de um capítulo – “O Legado Ético do Yorubá”. Sempre tive para mim que a ética do candomblé baseava-se apenas em dois mandamentos: cuida de teu orixá (e, portanto, cuida de ti); respeita o orixá do próximo (e, portanto, respeita o próximo como a ti mesmo). É interessante ver, entretanto, como Beniste associa a conduta espiritual à moral e ao costume entre os yorubás, mostrando a interligação forte entre crenças e comportamentos. Relendo aquele capítulo, observo que os dois mandamentos em que acredito estão ali desdobrados em regras quotidianas que comandam todas as atividades de uma comunidade: da educação dos filhos ao trato da morte e suas conseqüências.
Por aquela leitura percebe-se que os mandamentos do Candomblé de Keto geram aquela prática que alguém – possivelmente Nei Lopes – chamou de “a mão gentil do Candomblé”. É fácil entender que, vivendo em comunidades menores, a reciprocidade – que vem a ser o mecanismo de trocas e a teia de obrigações econômicas e sociais que garantem a coesão e a subsistência do grupo – exige que todos se tratem com gentileza. E como essa gentileza faz falta no mundo de hoje!
A riquíssima ritualística do Candomblé é o reflexo da reciprocidade exigida do povo do santo, em vários graus e atividades, seja na forma de ebós (oferendas aos orixás) ou na expressão à hierarquia dos membros da comunidade; hierarquia que exige, de um lado, o respeito dos mais novos aos mais antigos e, de outro, o respeito dos mais antigos aos mais novos.
A reciprocidade das relações entre o povo do santo constitui uma teia de obrigações e direitos que envolve não só o plano da nossa existência no Ayê (mundo físico), mas também o plano espiritual (Orun). Desta forma, a harmonia de uma casa (Ilê Axé), depende de uma estrutura hierárquica e de um respectivo rol de funções, todas interdependentes. Assim, ter um “cargo” numa casa significa ter o direito a exercer uma função, mas também a obrigação de desempenhá-la. Todos, desta forma, do babalorixá (zelador ou pai-de-santo) ao mais novo yaô (iniciado) estão envolvidos na cadeia de reciprocidade e gentileza que deve predominar na atividade religiosa. Agora imagine-se o desbordamento desse conjunto harmônico por todos os aspectos da vida comunitária e teremos, então, a imagem ideal de um grupo social em que os indivíduos estarão bem próximos ao parâmetro de omoluwabí (bom caráter em todos os sentidos da vida, cf. Beniste, citado).
Voltamos, neste ponto, às duas máximas que mencionei no início: cuida de ti; e respeita teu próximo como a ti mesmo, para colocá-las em linguagem ocidental. Estes dois mandamentos, vividos na vida prática através da gentileza consigo mesmo e com os demais, podem ser responsáveis por uma melhora substancial da qualidade de nossa existência.
Axé!
[*] Beniste, José – “AS Águas de Oxalá – Awon Omi Oxalá – Bertrand Brasil, Rio, 5ª. Ed., pp. 35 a 41.
03SET10
Cada dia que se passa... respeito ao próximo vira sinônimo de caretice... onde iremos parar?
ResponderExcluirÉ de grande importância que as religiões se unam para que não morra os respeitos e amor aos próximos...