Faz tempo que reflito sobre o poder dos trabalhos da macumba, também conhecidos como “despachos” – conjunto de elementos (como velas, panos, comida, etc.) oferecidos para a obtenção de algum favor dos orixás ou outras entidades. Mais e mais tenho tomado uma atitude de descrença no que se refere à serventia objetiva dessa prática. Toda vez que alguém me diz que fez um despacho para conseguir isso ou aquilo, recordo-me dos pombos de Skinner e de seu inútil comportamento supersticioso...
Semana passada alguém perguntou-me sobre a eficácia de determinado despacho. Respondi que sou macumbeiro, mas não acredito em macumba. E é verdade. Tenho muita curiosidade e imenso respeito pela cultura yorubá, da qual absorvo a sabedoria relatada nos itans. Leio e re-leio com paixão obras etnográficas como o “Ewé”, de Pierre Verger, que traz um longo receituário de trabalhos. Mas não acredito em macumba.
Acredito que a maior parte de nossos problemas reside em nosso próprio comportamento e em nossas atitudes. A outra parte – pequena, mas eventualmente de grande impacto – está no imprevisível, no ponto fora da curva.
Entendo que essa postura é decepcionante para os que recorrem aos rituais da macumba para “abrir caminhos” ou proteger-se de algum feitiço. Ou para aqueles que desejam testemunhar as curas, os fenômenos paranormais, os “sinais”, os transes. Ou para aqueles que temem o poder sobrenatural dos despachos. Mas é assim que respondo quando me consultam.
Acredito na macumba, porém, como um ritual que me coloca em contato com minha egrégora e me faz sentir incluído na cultura religiosa da qual faço parte. E acredito na macumba, também, como via de colocar-me em contato com meu orixá, de manter o fio que me une ao meu “eu espiritual”.
Num caso, incluo a dança, a música, o ritmo dos atabaques, as rezas e cantigas, as festas, os toques, os xirês, os candomblés – todas as manifestações que fazem parte do universo religioso que me inspira.
No outro, incluo todos os elementos – objetivos e subjetivos – que me dizem quem sou eu: os meus fios de contas, os assentamentos de meus orixás, os meus amuletos e meus altares, os meus mantras e os meus pensamentos. Todos eles formas de concentrar minha vontade, minha fé, para alcançar a comunhão com o divino.
Quando perguntado, aconselho que se evite as fórmulas ritualísticas que “garantem” o conseguimento disto ou daquilo, como os despachos de encruzilhada que exigem, apenas, que se use tal pano de tal cor, tal animal sacrificado, tal vela, tal bebida. Estes são elementos votivos que, sem a fé, o coração e o espírito, nada irão trazer, não importa quão bem esteja seguida a “receita”.
Digo que é extremamente frustrante gastar tempo e dinheiro investindo na expectativa de alcançar alguma graça através de um despacho copiado. E afirmo que o que resolve mesmo é analisar seus passos e tratar de aproximar-se de seu orixá através de conhecer melhor a si mesmo, assim encontrando o elo que projeta sua identidade ao seu eu divino.
Por outro lado, acredito na celebração, no agradecimento, na dança dos orixás e no cuidado com o axé. Acredito na força que estas manifestações trazem porque as sinto, as vivencio. Saúdo com alegria a presença dos orixás e dou ossé no ibá do meu santo. Dou minhas obrigações regularmente e me sinto muito bem no runcó de minha casa. Como babá efun, tenho cargo e função na preparação dos yawôs, além de cumprir outras funções do ilê. Tenho muita curiosidade e imenso respeito pela cultura yorubá. Vivo, enfim, a experiência de ser um ebomy que caminha com os orixás, trabalha para sua casa e respeita a religião que me escolheu e acolheu.
Sim, não acredito em macumba. Mas, como se vê, sou macumbeiro.
Axé.
09SET10
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