quinta-feira, 1 de julho de 2010

As Paredes da Lembrança do Presente

Há uma semana reli “O Apanhador no Campo de Centeio” numa edição antiga, surrupiada da biblioteca de meu pai. Reli, também, “As Cartas a Théo”. Enquanto repassava este último, ia me transportando para o campo em que se dá a cena do suicídio de Van Gogh – memória do belíssimo filme de Altman, com Tim Roth no papel do pintor suicida.

De alguma forma fui montando um puzzle de memórias, algumas passadas e outras cinzeladas na roseta do Eterno (eu). Quer dizer, o puzzle montou-se a si mesmo já que faz tempo não sou nem o dono nem o plenipotenciário controlador das vadiagens de minha mente.

E eis ali, na minha frente, o campo dourado que cobria tênue a boceta de minha amiga. “Não faz jus a ela...” penso, rompendo com a imagem, “... não faz jus a ela...”. Realmente, a tal imagem nada diz do banho de quarenta e cinco minutos que precede a cena. Nem refere a diversão que era ter minha amiga comigo, dormindo e acordando. Nem relata as histórias que me contava e eu fingia acreditar (acreditando mesmo). Nem dá pistas do que ela criava do nada para assuntar alguma coisa, para armadilhar minha risada. Nem leva ao gesto mandrake que nos fazia esquecer o parágrafo para iniciar outro.

Falo corrente e coerentemente de eternidades e recordo, de passagem, algumas cantigas de santo. Faço isto tudo com o élan de quem pedala assobiando. É que tenho certezas testadas pelo tempo – hoje minha amiga me escreveu.

Para NNz.
=01jul10=

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