O alemão é um povo que não conta com muita simpatia por aí a fora. Exceto pela admiração que se tem por sua organização e ciência, o gosto pelo germânico se exaure na apreciação de certos acepipes e na imbatível cerveja. Claro que há muito mais de bom que apenas isso na cultura alemã.
Graças ao ancestral romano, foi semeado (e prosperou) na Alemanha o Latim. Podemos reconhecer, entre as línguas latinas, muitos vocábulos comuns (na gênese ou na grafia) que descendem diretamente do Latim. Mas é o uso das declinações que faz o Latim e o Alemão particularmente interessantes. As declinações escondem regências debaixo da asa de substantivos, adjetivos e pronomes. Como resultado, ocorre a liberação da estrutura que rege da ordem das palavras nas orações – organização tão essencial às línguas modernas que utilizam a seqüência sujeito-verbo-predicado. Algumas partículas também ganham liberdade, principalmente as negativas (veja-se, em Alemão, o uso endiabrado da palavra “nicht”, que pode torcer o sentido de uma afirmação ao final da frase). Isto sem falar das vírgulas e das palavras que se compõem a partir da aglutinação léxica de substantivo e adjetivo!
Há anos atrás eu revia o latinório, preparando-me para o vestibular. Lutava para gravar as declinações e os vocábulos, maldizendo os idiotas que haviam incluído uma língua morta no currículo. Ajudava-me um padre iluminado – espanhol e republicano – que, assistindo à minha angústia, abriu-me a cabeça recitando vigorosamente um trecho da Eneida, de Virgílio, mostrando-me como o “Arma virumque cano/Troiae qui primus ab oris” nos fazia ouvir a aproximação dos soldados e o rufar dos tambores. A partir daí, se não aumentei meu conhecimento de Latim, despertou-se minha vontade para um dia fazê-lo.
Hoje, ao brincar com as palavras em Português num breve e-mail, lembrei-me do querido padre e do Latim. Acabei concluindo que falara alemão, recordando-me da piada do português que conversa com o motorista de táxi em Berlin. Mais importante, lá fui eu buscar alguma coisa sobre a Eneida, acabando por achar um excelente texto de um autor americano (sim, os americanos, assim como os ingleses, cultuam o Latim!) – William Harris – ex-professor emérito do Middlebury College, falecido em 2009. Diz ele que:
“[The Romans] actually HEARD poetry as they read it, and were tuned to the sound of words as we cannot hope to be. We live in a 'print culture', we reach words as ideograms much as the Chinese reach 'characters' as units, a very fast and very useful procedure, but one which robs us of the essence of poetry, which is Sound.”
Certamente os idiotas controladores dos currículos, que exigiam que estudássemos Latim no ginásio e nos obrigavam a sabê-lo no vestibular, eram idiotas mesmo. Faziam-no pelos motivos errados – o mesmo simulacro de erudição e vera inutilidade que martiriza os alunos atuais, obrigando-os a análises sintáticas dificílimas ao invés de ensiná-los a escrever lendo e escrevendo.
De minha parte, agradeço a idiotice e sigo encantando-me com a poesia, o som das palavras, e o jogo que faz a melhor Literatura – como a de Saramago – que me diverte intensamente. Além disso, se tempo e determinação tiver, vou estudar Alemão. Como será formidável ler os filósofos alemães no original e também poetas como Enzensberger. E como será emocionante ouvir, e entender, as vozes originais, mesmo quando poucas, do cinema de Herzog e Wenders...
22jul10
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