terça-feira, 17 de agosto de 2010

Sincronicidades - Raças


Já era a terceira vez que o pai, bruto, a empurrava. A cada vez parecia mais furioso. A menina conhecia a seqüência quando o pai bebia e tratou de sair antes que apanhasse..

Até da mãe ir embora, o pai conseguia ser carinhoso com ela e a irmã. Agora era isso: chegava do trabalho, às vezes já bêbado; começava a esbravejar e a xingar a mãe ausente; e depois era a vez delas – as agressões verbais primeiro, depois as físicas. Até que cansasse e caísse no sono, quase sempre no sofá.

Lá fora estava frio e ela estava com fome. Mas não voltaria para dentro antes do pai dormir. A irmã era maior de idade e conseguia salvar-se na casa do namorado. Mas ela ainda não – teria que esperar mesmo no frio.

A rotina de maus tratos levou a que ficasse mais e mais introvertida. No colégio passou a ter um rendimento sofrível. Uma professora mais sensível acabou por entender a razão da menina não ser pontual com as tarefas de casa e dormir durante as aulas. E ajudou-a. Conhecia uma família de oriundi generosos que não negariam guarida.

O pai pouco ligou que se mudasse. Sozinho, não teria que ficar lembrando da ex-mulher cada vez que olhasse para uma das filhas. Seguiu bebendo até que um dia foi atropelado, morrendo no local. As meninas, quando souberam, já estava enterrado. Choraram um pouco e repartiram o parco montante do seguro recebido pela mais velha, que também encarregou-se de esvaziar o pequeno quintal, mudando-se para a casa do namorado. Nomeada tutora da mais nova, não se opôs a que fosse definitivamente acolhida na casa de um Brindisi.

Yolanda dos Santos era uma menina negra de doze anos quando foi morar com “os italianos”. Cumpria as tarefas menores da casa e era bem tratada pelos patrões, que deram um quartinho só para ela. Logo melhorou seu rendimento no colégio. Ficou mais esperta e alegre. Com a sua parte do seguro e seu ordenadinho pôde comprar algumas roupas e coisinhas de adolescente. Tinha um belo rosto e um corpo bonito, precocemente desenvolvido.

Entre suas tarefas estava cuidar da menina Luiza, uma mesticinha meio italiana e meio índia guarani. Quando a mãe apresentou sua nova babá, Luiza tinha quatro anos. As duas se deram bem desde o momento em que se conheceram. Era uma rir e a outra rir também, sem motivo. Brincavam juntas, corriam, pegavam. E tudo que Luiza se recusava a fazer, tudo que imploravam para que fizesse, Luiza fazia se Yolanda pedisse. De quebra, a pequena babá protegia Luiza da zanga dos adultos, escondendo levadezas, limpando sujeiras, dizendo que havia comido tudo e até pedira mais. Fato era que Luiza era uma menina arredia e inquieta, que gostava da Natureza e de enfrentar os mais velhos. Diferente das priminhas obedientes, que sempre pareciam saídas do banho, com os cabelos escovados e a roupa permanentemente passada.

Com o tempo, os patrões foram confiando mais e mais Luiza à babá. Passaram a aproveitar as noites para sair e, às vezes, passavam um ou dois dias fora, em Novo Hamburgo ou Porto Alegre. Quando não estavam, Luiza dormia no quartinho de Yolanda. Eram noites de grande preparação. Havia as brincadeiras, o banho e depois as histórias. Depois dormiam agarradas, como se sentissem muito medo ou tivessem muito frio.

Yolanda já tinha corpo de mulher; embora os seios fossem pequenos, os músculos eram bem desenvolvidos, e tinha as pernas, as nádegas e os braços rijos, embora roliços. Luiza, perguntava-lhe tudo e queria apalpa-la, sentir a carne por baixo da cor negra. Na hora de dormir costumava enroscar suas pernas nas de Yolanda, até sentir os pelos arranhando; gostava também de aconchegar-se com a mão nos seios da babá. Às vezes apertava-lhe tanto os bicos que Yolanda reclamava e chorava, mas deixava. Luiza sentia uma ponta de prazer ao dominá-la e fazer com que deixasse que a machucasse.

Luiza masturbou-se, pela primeira vez, aos sete anos e, aos oito, pedia que Yolanda o fizesse nela ou junto com ela. As noites em que passavam juntas ficaram mais direcionadas e conduzidas através da mesma rotina – masturbavam-se, se enganchavam e, quando terminavam ficavam olhando-se no espelho do armário, observando o contraste da pele negra de Yolanda e a muita alva de Luiza. Yolanda, até então, não conhecera homem. Mas sentia pulsões dolorosas quando via um rapaz mais bonito, ou quando o patrão lhe dirigia olhares de soslaio.

Um dia Luiza e Yolanda souberam que haveria uma grande festa para comemorar o aniversário do bivô Carlo Brindisi. Muita gente viria para o jantar; alguns dos parentes até ficariam na casa, inclusive uns Brindisi do Rio de Janeiro e um sobrinho argentino, conhecedor de vinhos. A excitação tomava conta de todos, patrões e empregados. E Luiza e Yolanda não fugiam à regra, trocando risinhos a cada comentário sobre os parentes desconhecidos.

Carlos, seus pais e seu avô foram os primeiros a chegar. Yolanda logo notou o olhar que o menino lançou para Luiza. Os dois tinham a mesma idade, mas Luiza parecia bem mais desenvolvida do que Carlos, embora Carlos fosse maior que ela. Logo se tornariam companheiros de travessuras, passando longe da vista dos pais boa parte do dia.

Em seguida chegou o primo argentino. Um louro, alto, com jeito de senhor de si. E aí o coração de Yolanda bateu forte. Em um dado momento trocaram olhares, e ela soube, com absoluta certeza, que ela seria dele. Não era à toa que um pai-de-santo lhe havia dito que era filha de Nanã.

A noite transcorreu como deveria. O patriarca Umberto Brindisi não cabia em si de ver tantos descendentes juntos e felizes. Cantou-se, bebeu-se e comeu-se à farta. Os brindes e discursos se sucederam num ambiente de grande alegria. Yolanda, envolvida com os serviços de mesa, não deixou de observar as estripulias de Luiza e do menino Carlos, que se esconderam debaixo da mesa. Nem de notar o sorriso que lhe voltava, vez em quando, o argentino.

Mais tarde, depois que a festa serenou e o convidado argentino foi liberado de atenções, Yolanda entabulou com ele uma troca de sinais que indicava a cozinha como local de encontro, em uma hora mais.

Encontraram-se à hora marcada e, sem palavras, beijaram-se. O argentino, por usar bem o nariz, tratou de sentir o perfume da pele de Yolanda; e Yolanda, por precisar muito, tratou de ouvir-lhe o peito. Em breve estavam se abraçando com força, e se esgueirando para o quartinho de Yolanda.

O argentino mal cabia na cama. Na verdade, não sabia o que fazer. Durante todos os anos de sua juventude dedicara-se ao negócio da família em Mendoza, e deixara a fornicação para o irmão Aldo. Era a primeira vez, portanto, que estava com uma mulher. Por sua vez, Yolanda era muito jovem e desconhecia o que fazer com um homem. O desejo, entretanto, venceu a inexperiência. Quando viu a bela negra totalmente nua à sua frente, o argentino libertou seu corpo para que fizesse o que fosse. E assim copularam: pela primeira vez de frente, com o argentino entrando pelo meio das pernas de Yolanda, deflorando-a com vigor; e depois mais devagar, subindo Yolanda sobre ele, empalando-se e comendo-o ao mesmo tempo.

Estavam cansados para tentar outras posições. Passaram um tempo aconchegados, como nos filmes de que Yolanda gostava. Depois decidiram que era melhor que o argentino fosse para o seu quarto. Despediram-se carinhosamente e o argentino, em voz baixa disse que seu nome era Nicoló. Yolanda respondeu “Eu sei...” e disse-lhe o seu, antes de abrir o sorriso que ficaria guardado na memória dele, fechando a porta em seguida. Cuidadosamente.

Na manhã seguinte Nicoló dava a Yolanda um adeus mal-disfarçado e partia de volta para Mendoza. E Luiza e Carlos corriam pelo quintal e embrenhavam-se pela ribanceira do rio. De alguma forma o coração de Yolanda estava leve e feliz com os últimos acontecimentos...

17AGO10

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