Tenho guardado recordações durante todos estes anos em que viajo pelo Brasil afora. Nada se compara, entretanto, à memória das minhas duas primeiras estadas no Sul.
Aos oito anos de idade eu era um menino ativo e esperto. Vivíamos no Rio de Janeiro, a duas quadras da praia, e eu já tinha minha morey boogie e pegava onda à vontade. Sabia bem das molecagens de rua e quase havia quebrado o pescoço no teto do prédio tentando ver uma vizinha trocar a roupa.
Eu era, enfim, feliz, atordoado apenas pela curiosidade que todo menino já nessa idade tem: sexo. Meus pais eram legais comigo e eu era bom aluno, merecedor de prêmios e perdões. Íamos juntos a restaurantes e parques e, nas férias, sempre encontravam um jeito de me incluir nos programas deles. Assim é que, quando meu pai me disse que íamos a Ouro Branco para a festa de oitenta anos do avô dele, meu bisavô, achei apenas natural que começasse a fazer minha mala.
Salvo um casal de tios que nos visitaram no Rio, eu nunca havia tomado muito contato com esse lado da família. Ouvia histórias, é claro, de como meu bisavô havia vindo do Piemonte para a Argentina; e de como, na parada do navio no Rio, ele ficou e o meu tio-bisavô seguiu para Buenos Aires e, depois, se estabeleceu numa província do sul da Argentina, onde tornou-se um vinhateiro de sucesso. Meu bisavô, também, foi para o sul – logo depois que minha bisavó morreu, ele juntou-se a outro grupo que vinha da Itália, deixou meu avô na casa de parentes de minha bisavó no Rio, e rumou para Porto Alegre. Finalmente, estabeleceu-se em Ouro Branco, procriando fartamente por lá...
Ao que parece, as mágoas causadas pelo abandono de meu bisavô foram superadas e os Brindisi puderam seguir em paz aqui e lá. Total que escrevem-se cartas emocionadas, ainda em italiano, e remetem-se fotos. Fotos que fui acostumado a ver quando visitava meu avô Carlo, cujo nome deu origem ao meu nome. E foi através dessas imagens que comecei a conhecer minha família longínqua – os tios e tias, os primos e primas, as casas, as fazendas, os vinhedos, as pradarias e planaltos. Por melhores que fossem as imagens, não fariam justiça, como pude testemunhar, às pessoas e às paisagens que conheci em minha primeira viagem.
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Embarcamos meu pai, eu, meu tio Sandro e meu avô Carlo, para Porto Alegre no dia 25 de novembro – me lembro até hoje, porque as festas de aniversário de meu bisavô começariam no dia 28, com um grande jantar na estância de meus tios-avós. Nós ficaríamos também hospedados na estância, para maior conveniência de todos, e para lá rumamos de carro assim que chegamos na capital.
Nossa chegada em Ouro Branco foi digna de um filme de Monicelli – a parentada toda emocionada, alguns personagens às lágrimas, tudo muito excessivo e eu perdido no meio de tantas calças e saias. Foram muitas as apresentações, beijos e abraços e, em breve, eu estava a um canto, junto aos meus cugini – todos muito parecidos e bem cuidados, exceto uma menina mais ou menos da minha idade e altura, pele de índia guarani, cabelos negros e longos, a franja grande caindo sobre os olhos também negros. Pois esta menina que se destacava dos demais foi a única a aproximar-se de mim e soprar no meu ouvido o seu nome – Luíza. E naquele momento abriu-se um clarão e meu coração passou a ter dona.
Nos dias que se seguiram eu procurava por Luiza assim que acordava, ou ela procurava por mim. Nos tornamos os melhores companheiros e não precisamos confessar nossa liga um com o outro – era evidente pelas horas que passávamos juntos, escondendo-nos debaixo da mesa de jantar, correndo pela ribanceira do rio, ou simplesmente parados e quedos vendo a chuva cair no jardim.
Tal proximidade contribuiu para excitar nossos sentidos e aumentar nossa curiosidade. Luiza representava as forças da Natureza, uma Natureza até então desconhecida, para mim, habituado a mar e peixes. Importante mesmo é sublinhar que a tal força era inexorável – como freqüentemente eu testemunhava, seja na hora do banho, seja no momento de dormir – e completava minha maturação sem sentimentos de culpa.
A única coisa que atrapalhava a Luiza e a mim – já que os adultos nos deixavam em paz e concentravam-se nas festas – era uma outra prima, Emília – uma magrela invejosa e arrumadinha que teimava em nos acompanhar sempre que podia. Luiza me dizia para não ligar, para ignorar, mas Emília era realmente um carrapato. Sorte era que, tendo que estar sempre limpa, engomada, calçada e penteada, não podia ir atrás da gente quando corríamos pelo mato ou rastejávamos pelo chão dos quartos ou caímos no rio.
Numa dessas vezes que nos buscava, Emília pegou-nos em flagrante quando, nuzinhos, explorávamos as diferenças de nossos corpos. Luiza, então, ao invés de correr ou esconder-se ou cobrir-se, enfrentou a prima que gritava “vou contar pra todo mundo!”. Rapidamente deu-lhe um tapa no rosto e uma rasteira. E, sentada em cima de Emília, disse “se contar pra qualquer pessoa eu te quebro a cara, te enterro no galinheiro e cuspo em cima até você morrer”. Emília, chorando e tentando arrumar o vestidinho amassado, saiu correndo e sumiu. Enquanto nos vestíamos, Luiza dizia que a prima era invejosa que só. Enquanto eu, aqui comigo, achava mesmo que aquilo era ciúme.
As breves férias passaram muito rápido para mim. Num átimo já estávamos fazendo as malas de volta e nos despedindo depois de um café-da-manhã muito triste e calado, embora alegre e barulhento para os adultos. Todos se abraçaram e se prometeram visitas que nunca ocorreram. Chorei um tico quando abracei Luiza e ela também, para logo sair zunindo sem falar com mais ninguém. Todos riram muito na sua ignorância do que ia no coração da gente. Com alívio, não cheguei a despedir-me de Emília que saiu atrás da prima Luiza tão logo ela se desgarrou de mim.
Nos meses seguintes escrevi ardentemente para Luiza. Era uma dureza conter-me, mas achava que tinha que fazê-lo, já que nossas cartas poderiam ser lidas por outros, especialmente o avô dela. Luiza me respondia e, vez por outra, tinha o cuidado de dobrar uma folha de planta ou uma flor entre as páginas da carta, pedindo-me desculpas por não poder mandar um seixo do nosso rio querido.
O tempo foi passando e fui crescendo, na medida em que as cartas para e de Luiza foram escasseando. Aos onze anos já tinha uma namoradinha e explorava com ela a excitação que parecia mover meus pensamentos e atos. Os pelos do corpo e ereções incontroláveis foram me avisando de novos tempos. Nas conversas com a turma da rua falava abertamente de meus desejos e das nascentes aventuras, que iam de A a Z, sem entretanto parar na letra P, de penetração.
Já havia quase esquecido de Luiza quando recebi, de meu pai, a notícia da morte de meu bisavô e o convite para irmos de volta a Ouro Branco. Num átimo recordei-me de Luiza; meu coração doeu e eu, apesar da tristeza que o luto impunha, vibrei. Iria rever minha amada prima.
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Fomos para o Sul como da primeira viagem – de avião até Porto Alegre e depois de carro até Ouro Branco. Entretanto, nossa chegada não foi motivo de festejos desta vez. Meu bisavô era muito querido e havia deixado uma família numerosa e uns tantos amores dispersos. Ficamos na mesma estância de meus tios-avós, mas desta vez não houve a festança de boas-vindas; somente um jantar que nos prepararia para a noite de vigília.
Em vão procurei por Luíza. Ela só seria vista mais tarde, na capela. Como sempre a um canto; mas, ao contrário do que me falava minha memória, uma bela mulher em formação. Enquanto eu ainda penava com a penugem da minha incipiente barba e vigiava atentamente o surgimento dos pelos pubianos, do peito e das axilas, Luiza ostentava uma envergadura quase completa – ombros, seios, quadris... estava tudo ali, desenhado e à mostra. Eu, envergonhado, me torturava pelas comparações, culpando minha falsa memória. E estava passando por este suplício quando Luiza docemente chegou a meu lado, abraçou-me pelos ombros e deu-me um beijo no rosto.
Ah, o mesmo perfume, o mesmo encantamento... Foi o tempo de beijá-la de volta e já começarem os terços e invocações. Silenciosamente nos separamos, olhos nos olhos, e nos falamos qualquer coisa de nos vermos na manhã seguinte. O resto da noite foi passada entre memórias do meu bisavô sorridente, da minha numerosa família e de um desejo dolorido de voltar logo para casa, para o mar e para a esquina da turma.
Na manhã seguinte fui procurar Luiza, nem sabia para que. Disseram-me, então, que ela havia deixado recado, que me esperava na ribanceira do rio, no mesmo lugar de sempre. Procurei uma sunga, uma camisa e saí de havaina mesmo, evitando pisar na bosta dos cavalos e bois. E cheguei ao nosso ponto de encontro mais rápido do que deveria.
Lá estava Luiza, mais esplêndida ainda que na noite anterior. O contraste entre os cabelos longos e a pele de índia era alguma coisa, ainda mais visto entre as cores da vegetação e a água límpida do riozinho. Luiza estava quase nua, usando somente a calcinha do bikini. Voltou-se e vi os seios grandes e empinados. Senti vontade de descer correndo até ela e abraçá-la. Mas... Logo vi que tinha companhia – lá estava também a prima Emília, magrinha mas muito bonita, quase da mesma altura e volume de Luiza. Resolvi, então ficar escondido e observá-las.
As duas mergulhavam no riozinho, brincavam de atirar água, depois passavam um tempo sentadas na pedra, pegando sol, às vezes deitadas uma no colo da outra. Eram muito lindas juntas, cada qual um tipo de beleza. Ambas se sentiam donas de si e de seu mundo. Poderosas, deram um mergulho profundo; ao subir à tona arrancaram as calcinhas, que atiraram para a pedra. Em seguida abraçaram-se onde dava pé. E se beijaram. Pescoço, ombros, seios... Eu sentia um agudo ciúme, mas seguia observando-as do meu posto, curioso e excitado.
Minhas primas voltaram à pedra e ali, num ritual conhecido delas, começaram a amar-se. De onde eu estava via detalhes dos corpos e de seu movimento, um contra o outro. O carinho lento e depois a voracidade. Luiza dominando Emilia, sobre ela, sugando-a, vampirizando-a, possuindo sua alma; Emilia subjugada, sendo comida, dando gemidinhos e gritinhos quase infantis e eu ouvindo a voz mais grave de Luiza, mandando, virando, espalmando, sendo bruta ou suave. Assim prosseguiram até que gozaram. E estavam repousando nos braços uma da outra quando me mexi e um galho estalou. Imediatamente Luiza deu comigo e pude ver os olhos negros fulgurando por baixo da densa franja, ao mesmo tempo em que riam para mim, cúmplices.
Emília e Luiza ficaram de pé. Emília buscando cobrir-se e fugir do flagrante e Luiza firme como escultura. Sem pestanejar, chamou-me para que viesse e disse para Emilia que não se atrevesse a sair dali. Rapidamente decidimos seguir as ordens da prima, embora eu mancasse até chegar onde estavam e Emilia chorasse um pouco e pedisse para ir embora, tentando convencer Luiza a deixá-la ir. Até que nos juntamos, os três, no mesmo espaço da pedra – Emilia muito constrangida, eu envergonhado e Luiza senhora.
Luiza forçou um abraço dos três e depois, sorridente, pegou no meu pau, como fizera anos atrás. Pude ver nos olhos de Emília o mesmo ciúme que então a levara a ter raiva de mim. Fechei os olhos e toquei os seios de Luiza que, depois de um momento, retirou minha mão e a colocou sobre o seios de Emília, que retraiu-se imediatamente. Criada a cena e postados os peões, Luiza ordenou que Emilia se ajoelhasse e me chupasse. Emilia tentou negar, mas um puxão severo nos cabelos convenceu-a a abaixar-se e a colocar meu pau na boca. Eu e minha prima pagã nos beijávamos na boca enquanto a prima submissa me chupava entre lágrimas. Minha resistência e meus sentimentos viraram fumaça – eu era uma boca e um pau e mexia-me para enterrar-me mais e mais na boca de Emilia.
Nossa senhora percebeu que íamos gozar e deu-nos uma nova ordem. Mandou que Emilia se deitasse de costas e que eu a cobrisse. Nada de pensamentos ou reflexões; nada de camisinha ou preparativos para a boceta de Emilia. Era isso a verdade. Emilia já não reclamava mais, cumpria a ordem para servir à prima Luiza; abria as pernas o mais que podia para facilitar a penetração, esfregava o grelo para tentar molhar-se e recebeu meu pau como se cumprindo uma rotina de ginástica olímpica, enquanto sorvia a boca que Luiza lhe oferecia.
Não pude me conter por muito tempo e fui precoce, embora total. Era minha primeira vez e não sabia mesmo o que fazer em termos de desempenho. Muito menos resistir à paixão intensa, de corpo e alma, que minha prima me despertara. Luiza foi a primeira a rir; depois Emilia, que de algum modo se vingava. Eu ri por último, tímido. Rapidamente saí de Emília, peguei minhas roupas e saí correndo de volta para a casa. No caminho vesti-me e me dei conta de que estava chorando por múltiplas razões.
Passei o resto do dia no quarto. Estava esfolado e machucado. Nada do que me motivara para acompanhar meu pai. A vida me atropelara; minha velocidade era muito pouca para emparelhar com Luiza. Ficara para trás, para sempre. Devia dar adeus a essa paixão que durara quatro anos. Encontrar outra menina; de preferência lá perto de casa, da mesma turma. Uma guria-mar, com jeitinho carioca, que falasse a mesma língua e fosse da mesma natureza. Me torturei por horas até que adormeci. Acordei com um toque insistente na porta do quarto. Era Luiza que queria partilhar a aventura, falar de nós e rir da prima. Não entendia meu estado. Por gentileza e carinho deixei que se acalmasse e lentamente se retirasse, por si só.
Viajamos de volta no dia seguinte. De Luiza só tive um bilhete – “Não deixe de me escrever”. Guardei-o mesmo sem achá-lo importante. O transporte de carro foi monótono e a toda hora meu pai me perguntava o que havia, tomando meu silêncio por algo conectado ao enterro do meu bisavô. Quando chegamos ao Rio, não quis nem saber, peguei minha prancha e caí no mar. Chorava as pitangas de Oxum para Yemanjá.
Como antes, nos escrevemos um pouco. Eu breve, Luiza parlante. Depois não nos escrevemos mais. Cresci, terminei o ensino médio e passei pra faculdade de direito – a Cândido Mendes, no Centro da Cidade. Um dia, depois da aula, parei numa loja de CDs no Paço e ouvi um blues da pesada. Pedi para ver o CD e dei com o rosto de Luiza. Perguntei ao vendedor quem era e ele me disse que era uma voz nova, uma menina brasileira que era tão boa que estava fazendo sucesso nos Estados Unidos. Comprei o CD e fui pra casa. Ouvi inteiro, de uma vez só. Depois ouvi outra vez e outra vez. Até que meu pai pediu que eu parasse com aquilo. Mostrei a capa do CD e ele não falou mais nada. Fechou a porta do quarto e não me importunou mais enquanto eu varava a noite ouvindo as mesmas canções.
03ago10
Para D/ minha prima pagã, que me fez rever minhas memórias.
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