sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Ah, essa vã Filosofia...

Acabo de ler o número 20 da revista “Filosofia”. Atraiu-me a matéria de capa sobre Baudrillard (“Você é o que você consome”). Que decepção! Pela leitura da revista, acabei também sabendo que a disciplina “Filosofia” agora faz parte da grade do Ensino Médio.

Os textos da revista são descosturados e repletos de chavões do tipo “torna-se imprescindível”, “urge notar”, “ademais” e pencas de “outrossins”, intercalando citações gratuitas, usadas para dar legitimidade aos textos (não aos autores – porque estes padecem da falta de qualquer imaginação). Que desgraça!

Fico imaginando as hordas de “filósofos” (graduados em Filosofia) girando em torno do novo mercado de trabalho. E me apeno dos alunos que terão que deglutir páginas e páginas de textos indesejados, que serão obrigados a decorar por via de palavras-chave.

Recordo-me, então, da leitura dos primeiros livros de Direito que tive que enfrentar. Escritos de forma arcaica e convolutada – como se o blá-blá-blá empoeirado lhes conferisse o necessário gráu de saber –, os tais textos fizeram a miséria de minhas tardes de estudante. Recordo-me, também, do momento em que passei a ler os juristas de outras plagas e do momento em que textos mais arejados passaram a fazer parte da doutrina jurídica brasileira. Que alívio!

Voltando ao tema. Segundo me atualizo, a justificativa para a inserção da Filosofia na grade do Ensino Médio é a de “ensinar os jovens a pensar”. O mesmo constructo que procurava justificar a detestável análise sintática e ungia os concursos onde os infelizes candidatos eram chamados a analisar textos de Camões. Pura balela! Os jovens pensarão melhor na medida em que escreverem mais; de preferência à mão.

Me explico: há um tempo de pausa entre o pensar e o escrever à mão que permite a reflexão (a possibilidade de uma borracha virtual?). É no desenvolvimento de uma linguagem manuscrita que aprendemos o ritmo e a sutiliza das pausas (pontuação) tão necessários para inserir o autor e o leitor no mantra da palavra dita. Vale dizer: capturar o ouvinte e abrir a avenida para o diálogo. No fim das contas, bem escrever requer bem pensar. E isto se exercita pela prática – tanto da leitura de, e reflexão sobre, textos interessantes, como pela escrita de originais que proponham uma reflexão sobre o que pensa o autor (não exclusivamente o autor do texto que é debatido).

Volto à revista e leio um modesto texto sobre Erasmo, com “tags” ao lado, para facilitar a apreensão (ou, em bom Português, “decoreba”), de autoria de um Professor Universitário de Filosofia. E fecho o volume quando, ao final do artigo, segue-se o anúncio de uma coleção de livros perfeitamente intitulada “Ninguém Merece”...

Um comentário:

  1. O ensino de Filosofia e de Sociologia em todas as séries do Ensino Médio tornou-se obrigatório com a edição da Lei no. 11.684, de 2 de junho de 2008.

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