segunda-feira, 28 de junho de 2010

Espelho Momentâneo

Teve sede e desceu para comprar cerveja.

No mercadinho tirou duas long necks do freezer e dirigiu-se à caixa, recebendo um bom-dia como outro qualquer.

De volta, passou pelo porteiro do prédio e acenou. Era dia de jogo do Brasil e algum comentário ele ouviu e devolveu a respeito.

Em casa, sentou-se na sala, abriu uma garrafa, usou um copo longo e bebeu de uma só vez. Abriu a segunda garrafa e deixou-a ali, à sua frente.

Passados vinte minutos levantou-se e disse “jogo de merda!”.

Foi ao quarto, abriu a gaveta do criado-mudo e matou-se com um tiro na cabeça.


28jun10

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Tensão, Relaxamento, Jazz!


Ontem, fazendo a roleta na TV, vi o trecho de um filmezinho em que o personagem dizia: “... cara... banda de jazz é a última pousada dos sem-talento... quando um cara não dá pra nada, vai tocar jazz... além do mais, esses músicos de jazz se divertem mais do que divertem a platéia...”

Achei engraçado. É verdade que músicos de jazz se divertem muito. Cada apresentação é uma novidade, com novos desafios e uma nova corda-bamba. Mas, é claro que discordo da acusação de falta de talento. O jazz exige muito dos seus intérpretes, tanto de conhecimento musical como de domínio do instrumento. Se o cara for ruim, ou até mais ou menos, está excluído. Porque todos os demais integrantes da banda estudaram e estudam harmonia e teoria musical; além passar pelo flagelo diário dos exercícios de escala, divisão e o que mais for para quebrar dedos, ferir lábios e daí por diante. E isto geralmente ganhando muito pouco...

Também achei engraçada a observação porque lidei e aprendi com músicos de jazz. Lembro-me de quando conheci o sax-alto Gary Bartz no “Twins” – um bar de comunidade com música ao vivo. Mr. Bartz já era um músico consagrado, havia gravado com os mais notáveis, além de ter uma quantidade de álbuns solo nas costas. No entanto, estava ali, divertindo a moçada naquele pé meio sujo, onde volta e meia aparecia alguém pedindo “chicken wings” pra viagem... Ao final de um “set”, quando fomos apresentados por um produtor amigo, cumprimentei-o pelo tremendo suíngue; ao que ele, muito simpático e risonho, me respondeu algo como seria, em Português, “... se não fizer mexer os quadris, não é jazz...”.

Entendo que houve um tempo em que o jazz virou algo quase sagrado, com os brancos todos na platéia usando um “tuxedo” para ouvir os negros tocando com a atitude comedida dos músicos clássicos. Foi o caso, por exemplo, do “Modern Jazz Quartet”, cuja frieza educada serviu de parâmetro para muitos grupos da época. Mas nunca deixaram de existir os músicos, os cantores, os sapateadores, que exibiam a sua arte para jazzística divertir o público, ao mesmo tempo que sabiam que o que faziam era dificílimo de imitar, entre eles Charlie Parker e Dizzie Gillespie.

Na verdade, o jazz é muito rico. A partir mesmo do fato que exige improviso (a tal corda bamba). É preciso ser ignorante para imaginar sem talento um músico que consegue inventar, na hora, uma linha melódica superposta a uma outra, conhecida, usando a mesma harmonia (há mestres nisso, aliás, incomparáveis como o saxofonista Stan Getz ou o pianista Brad Meldhau). Aliás, a invenção sempre fez parte do jazz: os músicos se desafiam continuamente a “push the envelope” limite (veja-se, por exemplo, o “novo free” praticado pelo trio do pianista Hal Galper, ou as composições e os arranjos orquestrais de Maria Schneider).

Sobre esse caminhar na corda bamba da harmonia, há o texto do pianista John Mehegan, para quem “acordes de menos de uma sétima são insuficientes [isto mesmo, insuficientes] para jazz” [in “Jazz Improvisation 1 – Tonal and Rhythmic Principles]. Isto quer dizer que os acordes usados em jazz sempre se abrem para harmonias vizinhas ou mesmo acordes “outside” (fora da progressão “natural”), tornando quase infinitas as combinações e seqüências que a criatividade dos músicos de jazz pode utilizar [sobre os acordes de sétima, ver e ouvir uma excelente explanação, inclusive histórica, em http://en.wikipedia.org/wiki/Seventh_chord].

Ainda rebatendo a fala do personagem, recordo-me de uma entrevista do Sting, da época do lançamento de sua famosa “jazz band”, em que ele, defendendo sua identidade de roqueiro, diz, com desdém, que a diferença entre o rock e o jazz estava em que o rock “burned” (“botava pra quebrar”) desde o início do tema. Realmente, o trato melódico e harmônico do jazz se constrói através do binômio tensão e relaxamento – cuja base é a progressão harmônica através do ciclo das sétimas – que vai aumentando a energia potencial de uma seqüência de acordes até resolvê-la em energia cinética (imagine-se uma onda no mar que vai subindo, ganhando potência e que, no ponto mais alto que consegue atingir, quebra e desliza até a areia). Isto ocorre na conhecida construção harmônica do “blues”, em que os doze compassos de uma canção culminam com o compasso da sétima dominante que é resolvido no compasso do acorde fundamental (ufa!). Essa audível compressão, que se realiza em “deliverance”, é não só harmônica mas também rítmica, sugerindo os ciclos do amor e da vida, de espera e realização. Não é por outra que, atentando para o equívoco de anos atrás, Sting compôs “Seven Days” que, com o tratamento rítmico desconcertante de Vinnie Colaiuta, é um exemplo de “tensão-e-relaxamento” [ver em http://www.youtube.com/watch?v=920BnH5bRJk].

[10jun10]

sexta é dia de show!


quem dera minha prima deza estivesse aqui no rio. tenho pensado nela. e quem dera estivesse aqui. no mínimo prá cantar comigo... êi, cazzo... , o show é sexta e eu nunca vi essa cantora antes. diz o baixista que arranjou o gig que ela é legal... sei lá... canários são canários, são canários... a menos que tenham uns 50 prá cima... aí são maduras... e compensam a falta de entonação com a expressão... a merda é que cismam de cantar rien de rien ou a porra do je ne regrete pas.

lá vou eu ter que me segurar, agüentar reclamação... êi, batera, dá pra tocar mais baixo?... êi, batera, dá pra tocar de vassourinha?... êi, batera, dá pra não tocar essa?

mas vai valer a pena. o baixista é super. segura qualquer onda comigo – é chão. já o pianista sofre de compulsão harmônica... eu realmente não sei o que esses caras dos cordais vêm de legal em encher o espaço com tanto som. nego parece que não reconhece a beleza duma pausa.

e vai ser num bar da zona sul. idade média: 50. poutz. neguin & neguinha vai respeitar. se a cantora for gostosinha, vão alimentar o ego.

vou beber água. água e água. não sei se levo aquele defumador de rosa vermelha. a final, é dia de oxalá... e rosa vermelha é de exu... queria que o ogan fosse... prá me dizer que cheiro é de quem. e o pregador também. mas aí ia ter o risco de sair porrada.... será que vai alguma dona boa?

meu pianista e filósofo querido me dizia sempre: baterista não pega dona nenhuma. enquanto ele desmonta aquele trem, eu já apanhei quem valia a pena.

é isso mesmo. eu devia ser gaitista. além da portabilidade (hah!), ainda podia meter a gaita no bolso e fingir que tinha um pau destamanho... hah

mas isso é que é vida. sexta, dia de jogo, e a gente lá... tocando... sorrindo...

no fim, vai ser legal... e de repente dá público... e de repente chamam a gente de novo... e aí a gente vira fixo... e eu posso deixar a bateria guardada no local... e apanhar donas tb.

[10jun10]

Sentido Prático do Candomblé


O interesse geral pelo Candomblé tem-se revelado muito mais uma curiosidade pelo oculto, pelos rituais e pelos fenômenos para-normais do que um desejo de conhecer os conceitos éticos, a teologia e a prática dos mandamentos desta religião.

Até a literatura acadêmica, ou mesmo mais “especializada”, procura satisfazer a curiosidade do grande público, dando pouca ou nenhuma importância ao conteúdo moral do Candomblé.

Reconheça-se que há estudos sociológicos e antropológicos bastante sérios sobre a parte exterior da religião, como aqueles que focam na estrutura e na descendência de uma casa. Igualmente, há uma preocupação em descrever as origens africanas, em demarcar os grupos sociais e as etnias. Tais estudos também incluem a descrição dos Orixás e o registro de relatos e lendas que constituem a “sabedoria” daqueles grupos.

Não ocorre, entretanto, a pesquisa e a conceituação aprofundadas sobre os mandamentos morais que decorrem da crença nos Orixás. Nem muito menos uma referência cruzada a outras culturas, de forma a propiciar uma leitura mais clara dos preceitos do Candomblé. E isto é espantoso, uma vez que a serventia do lado externo da cultura – a cultura chamada “material” – é basicamente a de validar e de expressar o lado subjetivo da cultura, sem que se negue a necessária relação dialética entre estes dois lados. Aliás, fincado nessa relação, vejo a enorme importância prática do lado subjetivo.

Depois que comecei a seguir os mandamentos do Candomblé, a praticá-lo e, principalmente, a entendê-lo, muitas reações e atitudes de pessoas com as quais convivo, e daquelas outras que são públicas, passaram a fazer maior sentido. E eu comecei a preparar-me melhor para a convivência.

Fora do que é ritualisticamente permitido, obrigatório ou proibido, os mandamentos básicos do Candomblé são apenas dois: cuida do seu Orixá; e respeita os outros. Cuidar do seu Orixá significa cuidar de si mesmo; respeitar os outros decorre de que os outros também são filhos de Orixás e de que não há Orixá mais proeminente que outro [ver: "O Código Moral do Candomblé", também neste blog]. Esta última parte deste mandamento é sumamente importante na prática.

Conforme nos ensinam os itans, os Orixás são interdependentes. Nenhum deles possui a força, a energia e o domínio que se sobreponha à força, à energia e ao domínio dos demais. Na verdade, as relações entre os Orixás são de atração ou de oposição. Há alianças umbilicais e rejeições históricas. Ao ouvir-se relato sobre os Orixás “vermelhos” e “brancos”, vê-se claramente a antinomia entre Eros e Tanatos, entre o peso inercial e o movimento dinâmico deste e daquele Orixá. Na verdade, observa-se que, no panteão africano, as energias devem se compor, com o mínimo de perda das suas características e direções. Isso se dá através da multiplicidade de “personalidade” dos Orixás e das “famílias” que eles compõem. Ogum anda junto com Oxósse e Exu; Exu é incompatível com Oxalá; Oxalá é companheiro de Iroko; Iroko significa a mudança repentina, diferente de Oxumarê, que rege os ciclos da vida; e assim vamos...

Se tomamos que temos a mesma personalidade de nosso Orixá, segue-se que teremos mais chances de manter relações positivas com essa ou aquela pessoa, filha de um Orixá que acompanha o nosso. Da mesma forma, devemos entender que outra pessoa, que guarda referência direta com um Orixá antagônico ao nosso Orixá, deverá ser tratada à distancia e com cuidado. Obviamente, esta é uma redução simplista da extrema complexidade que rege a personalidade dos Orixás e dos homens. Na verdade, as diferenças ou similaridades são muito mais sutis, embora discerníveis. E constituem um notável instrumento de convivência, produzindo sinergias e evitando conflitos.

O entendimento das forças dos Orixás determina a qual deles pedimos socorro, proteção, inspiração. E para quem devemos cantar, dançar e agradecer. Os gregos, os romanos, por exemplo, cultuavam divindades de forças (domínios, energias ou personalidades) diferentes. Não pediriam a Marte (deus da guerra frontal e sanguinária) a solução negociada para um conflito (domínio de Minerva). Veja-se como seria de grande valor estabelecer uma associação (um caminho cruzado) entre os Orixás, os deuses do panteão greco-romano, as sephira da Cabala e até os arquétipos representados pelos arcanos maiores do tarot...


[10jun10]

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A Foda Acontece no Começo



Acordei com a luz do dia machucando meus olhos. Fui recobrando a consciência aos poucos. Sei que estava feliz. Porque me recordo que sorri. E aí percorri os acontecimentos do dia anterior. E logo me dei conta da reconfortante presença de Dilma a meu lado. Não resisti e dei-lhe um tapa carinhoso nas nádegas. Eram, sem qualquer dúvida, muito firmes.


Dilma acordou de vez e sorriu para mim... o lençol escorregou e vi os seios generosos e tão bonitos... Voltei-me e enfiei o nariz no colo de minha amiga. Então me dei conta, ao mesmo tempo em que sentia seu perfume, de que estava apaixonado.


Ela parece que ouviu meus pensamentos. E percebeu o peso específico deles. Soltou-se e me disse: "não quero essa densidade toda entre nós. ou melhor, quero enlevecer..." E saltou da cama.


Dilma era assim desde guria, quando nos conhecemos numa baladinha em Curitiba. Ninguém conseguia prendê-la por muito tempo. Entendi isso e passei a tratá-la com a eventualidade necessária. Fui dissimulado às vezes, cínico outras. O importante é que conseguia estar na sua companhia muito mais que qualquer outro sujeito que se aventurasse a tê-la.


Continuamos amigos e formamos um par temporário durante todo o tempo da faculdade. Era bom vê-la e estarmos juntos. Porque sabia que nessas ocasiões a tinha inteira. “Quality time” era o termo que iria usar anos depois, para definir o tempo curto, mas pleno, que passo com meus filhos.


Durante anos não vi Dilma. Não esqueci de telefonar no seu aniversário, nem no Natal. Mas não nos encontramos. Sabia dela por amizades comuns, que eram evasivas, já que nossa amiga não se confessava tolamente com qualquer pessoa.


O tempo passou e deu-me umas chapuletadas. Algumas bastante fortes. Creio que sofri mais quando fui decepcionado – decepções pequenas fazem mais estrago que rejeições. Verdade é que fui levando, casando, descasando, tendo filhos, viajando. Me firmei como fotógrafo, primeiro numa incorporadora de imóveis, depois numa revista feminina e, finalmente como freela. Quer dizer, fui do mais técnico e chato até o que me dá mais gosto.


Como freela conheci histórias e mulheres interessantes. Droguei-me, bebi, e me safei dessa. Hoje trabalho e trepo de cara limpa. E evito as donas complicadas ou que se droguem à toa. Fiz meu nome e ganhei uma grana que me deixa confortável, mas não mais próximo dos meus filhos.


Aí, ontem, por acaso, encontrei Dilma na casa de uma modelo minha amiga. Foi uma alegria! Conversamos sobre tudo; sobre o que havia ocorrido em nossas vidas, sobre nossos projetos; rimos das idéias que se foram e nos absorvemos em nossos novos paradigmas.


Acabamos em minha casa, onde bebemos e conversamos um pouco mais. Falei de meus filhos e Dilma foi extremamente receptiva, como se os conhecesse. Deu-me conselhos e tranqüilizou meu coração. Mostrou que me conhecia mais do que qualquer outra mulher me conhecera, inclusive minha mãe. E, subitamente, me dei conta de que Dilma era a companheira que eu buscara por tanto tempo.


Com o coração repleto de contentamento abracei-a e fui abraçado de volta. Nos amamos ali mesmo, no sofá. Carinhosamente, ternamente, os dois corpos e seus mistérios completamente conhecidos. Nos santificamos e, quando cansamos, nos mudamos para a cama, onde dormimos em paz.


E agora isso. Esse tapa gelado na barriga. Essa burrice, essa escorregada catastrófica de ficar aos pés de Dilma, como um guri apaixonado. Ah, caramba, tudo que eu havia aprendido foi-se com essa vida de carências e tropeços, pensei eu. Dilma novamente percebeu o peso da circunstância mas dessa vez acalmou-me. Com imensa ternura segurou meu rosto entre as mãos, olhou-me nos olhos, e disse: “... amanhã é domingo. Vamos nos ver de novo?”


Para minha prima, D/, cujo amor pela liberdade supera qualquer outro.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

O Abraçador de Quimeras

rodeio tua cintura
meço-a
como se teu corpo
existisse
e tua palavra
me encanta
como se eu existisse.
sou alçado
[alço-me]
e abraço a possibilidade
de que tua cintura caiba
entre essas mãos aqui
e tua palavra me diga
com sons
e hálito
que me entendes
teu.

[15out09]

A Gueixa, o Poderoso e o Artista


Esta é uma história antiga. E verdadeira.

O Artista havia completado um excelente trabalho para o Poderoso. O Poderoso, sempre generoso com os vitoriosos, pagou regiamente ao Artista e ainda lhe ofereceu um jantar especial numa tradicional casa de gueixas

E, assim, na data combinada, foram-se ao jantar. O Artista desconhecia o que era ser servido por uma gueixa. Sendo sensível, apreciou cada gesto do cerimonial, decorou o lugar de cada prato, apreendeu todo o movimento a seu redor, fartou-se com o inefável de cada sorriso modesto que lhe era dirigido com um baixar de olhos.

Terminada a regalia, o Poderoso disse ao Artista que lhe reservara mais um acepipe. Pediu que viesse alguém especial, que revelou a todos ser uma das gueixas mais antigas da casa. O Artista, embora tranqüilo em sua postura de vencedor, era um fauno ignorante - embora em plena forma - e havia aguardado ansioso pelo momento em que faria amor com alguma daquelas serviçais que o atendera.

Assim que, com alguma expectativa, o Artista aguardou a preciosa relíquia da casa. E estava a aguardar quando desliza até sentar-se a seu lado uma senhora maravilhosamente vestida e pintada. Sem baixar os olhos, sorriu-lhe e perguntou se estava satisfeito com o jantar. Em seguida, perguntou-lhe sua profissão. E, quando soube que o Artista era um pintor de já razoável fama, virou-se e pediu algo a uma das gueixas que havia ficado a um canto do aposento.

A pequena gueixa partiu incontinenti, com a leveza que lhe era própria, voltando logo depois com papéis, nanquim e pincéis de caligrafia, colocando-os na mesa, à frente da gueixa que agora fazia companhia ao Artista. Esta preparou a pasta, escolheu um pincel, apoiou uma folha de papel e ficou parada, estática, por um momento. Subitamente, havendo decidido o momento de disparar a flecha e o alvo a atingir, a senhora molha o pincel no nankim e, em traços extremamente rápidos e firmes, desenha algo no papel, considerando o trabalho terminado assim que pausa. Devolve o material à mesa, e oferece ao Artista a obra recém-acabada.

O Artista olha o desenho e, estupefato, constata que nunca fez ou fará algo semelhante. Olha atônito para a gueixa que, pela primeira vez, baixa os olhos, agradecida. Não trocam mais palavras. Servido o chá, vai-se a senhora de volta a seus afazeres. O Poderoso ri em seu lugar, sabendo bem da peça que pregara no Artista. E este, conformado, pouco depois pede licença, e sai. E ainda guarda, até hoje, o presente inusitado para ensinar-lhe modéstia a cada vez que, maravilhado, o espia.

Para M/, a gueixa.

[11set09]

Dominação


Moro na boca da praia. De modo que nudez, por si, não costuma me comover muito. De repente é defesa minha, não sei. A final, se eu não controlasse minha libido, se eu não fosse um tanto indiferente, ia ser um martírio aquilo de ficar sentado na areia vendo aquele monte de donas desfilar na minha cara as suas nádegas, peitos, coxas, sovacos, bocetas e demais bits&pieces de variada forma e valor. Sou mais um topógrafo. Fico olhando e observando como os membros superiores e inferiores conseguem se encaixar no tronco; como a obesidade contribui pro samba; como a magreza excessiva leva ao recalque dos ombros... essas coisas. E imagino esta ou aquela cona se abrindo, se fechando e se reposicionando a cada vez que a dona se mexe, senta, caminha, ou salta uma onda com aquele jeitinho de susto de água fria. No mais, sou quieto e blasé.

Mas mesmo o cara mais bem preparado teria que se render àquela dona loira que levantou-se atrás de mim e caminhou até a água, ajeitando o biquíni colorido, e deu um mergulhinho de assento. Ora bolas, isso é algo que se faça? Ta certo: a loira tinha um violão delgado e um rosto franco, era boa, e ostentava um colo com aquelas sardas... mas tirar-me da minha? Isso não! Virei a cara quase com desdém, remanejei meus óculos rayban e dei atenção a uma Lolita que dava um amasso no namoradinho a dois metros de distância de mim.

A memória daquela dona loira, entretanto, continuou a bater na porta da minha consciência. E, enquanto me preparava para o trabalho daquela noite, lembrei-me dela e escolhi uma camisa nova e ajeitei melhormente o nó da gravata. Contente com a imagem que vi refletida no espelho, sorri agradecido pela visão que tive, peguei o maço de cigarros, o lenço perfumado, a carteira, as chaves, e bati a porta atrás de mim, já pensando no repertório que iria percorrer.

Cheguei cedo ao bar do hotel. Não havia ninguém ainda e eu tinha uns 15-20 minutos pra dar uma volta antes de sentar ao piano e começar a fazer soar os primeiros acordes da noite. Fui, então, à beira da piscina, onde a luz do pôr-do-sol abria um belo espaço para o azul clarinho da água tratada. E lá estava ela de novo – a tal loira da praia. Dei um passo atrás justo no momento em que ela reparou na minha estranha presença: um cara todo becado aparecendo ali na orla da piscina, onde todo mundo fica mais pra pelado que pra pingüin. E – fantástico – trocamos um sorriso de reconhecimento. E acenei meio que mostrando o caminho do bar. Ela não teve reação. Ou melhor, virou-se de costas e começou a vestir-se para sair dali. Frustrado, fiz o caminho de volta.

E estava lá, bebericando o meu Nestea e batalhando algum sucesso, quando vi que a mulher misteriosa buscava um lugar à minha frente. Com ela, uma jovem que parecia ser sua filha – o que me deixou sem jeito. Tratei, assim, de concentrar-me no teclado, de onde arranquei a melodia do “Someone to Watch Over Me” e depois emendei no “Contigo Aprendi” ou algum outro sucesso do Manzareno ou algo do Silvio Rodrigues. Música da noite é assim: uma mistura de canções conhecidas, geralmente “standards”, com algumas canções do momento – foxes, bossas, boleros. O segredo está na mistura e em perceber o que o público da hora quer ouvir, seja para namorar, seja para curtir uma memória, ou apenas para se empifonar em paz. Também tem-se que estar preparado para atender a pedidos, e saber tocar, sorrindo como se estivesse no Nirvana, uma droga como “New York, New York”, enquanto relembra quanta coisa excepcional o Old Blue Eyes gravou na sua longa vida musical, e que o pessoal não pede porque é ignorante ou cretino ou tolo ou simplesmente é um gringo que não sabe nada do que se trata.

Eu mordia esses pensamentos quando exatamente nessa hora a dona tal vai até o piano e me pede “Posso cantar uma com você?”... e antes que eu titubeasse e fizesse um hummmm ela me diz... “Sabe ‘The Very Thought of You’?”... Caramba! Não é todo mundo que puxa essa! E eu, confiando no instinto, perguntei o tom e introduzi o tema. Devo dizer que foi uma das melhores interpretações daquela canção que ouvi. A dona, além de afinada, tinha o timbre certo, as pausas, os “slurs, drags & bendings” perfeitos pra música. No fim, aplaudi mais que todos e perguntei baixinho seu nome e se queria mandar outra. Ela disse-me “Lucia”... e, para minha alegria, pediu “Medo de Amar”. “Caramboles!”, novamente pensei. E lá fomos nós pelo labirinto da canção que mostrou mais uma apresentação irrepreensível do passarinho.

Quando terminamos, perguntei se Lucia queria cantar mais alguma coisa e ela disse-me que não, para tristeza minha e da casa, agora quase cheia. Voltou para a mesa e, mais um pouco, saiu com a acompanhante, acenando-me com a cabeça. Continuei assim meu calvário sozinho. Toquei de A a Z, toquei pedidos, música de aniversário para um casal de idosos, a famigerada “New York, New York” e não sei mas que. Mas, no mais, pude me dedicar a meus assuntos musicais a que tanto amo e me dedico, como uma série de blues e um pot-pourri de Johnny Alf. Três sets de 45 minutos, pausas, e estava tudo acabado. Não quis nem comer algo. O DJ colocou o som para funcionar, e fui saindo de fininho para evitar bis disso ou daquilo.

Cumprimentei o porteiro do hotel, tantas vezes meu guardião, e deixei-lhe uma caixinha na mão grande de boxeur. Atravessei em direção ao quiosque do outro lado da rua. A noite estava gentil e a brisa que soprava do mar dissipava meus pensamentos. Eis que vejo Lucia, de novo. Agora sozinha e sentada numa das mesas. Aproximei-me. Entretanto, antes que eu falasse qualquer coisa, ela levantou-se e começou a atravessar a rua de volta, em direção ao hotel. Fui atrás “comme un chien a la chasse”, meu irracional guiando-me.

Atravessamos o saguão do hotel e seguimos em direção à piscina. Na passagem escura empurrei Lucia contra a parede. Estava dominante e desafiadora, como se não desse a mínima para o meu descontrole; devolvia-me a indiferença que demonstrei na praia; tratava-me como a um menino sem jeito; quase ria de meu desconforto. Tive raiva, machuquei seus ombros e quase a perdi. Finalmente Lucia soltou-se, ajeitou o xale e seguiu de volta para os elevadores. Tomamos o mesmo carro. Desta vez controlei minha gana de agarra-la ali mesmo. Saltamos num andar qualquer e a segui até seu quarto. Não precisava explicar-me, mas mesmo assim disse-me, ao abrir a porta, “Minha filha saiu e não volta hoje”. Foi a senha.

Antes mesmo de acendermos as luzes agarrei Lucia de novo. Desta vez impondo-me como macho, como vampiro, que é convidado a passar a adentrar o âmago e passar a noite. Empurrei-a enquanto a abraçava. Ela começou a beijar-me docemente o pescoço, tomou minhas mãos e beijou-as também, colocou-as sobre o colo, deu a volta e ficou de costas, agarrou minhas mãos de novo e fez com que eu as enchesse com os seios, abraçando-a por detrás. E nos esfregamos bravamente por alguns minutos em que sentimos um ao outro com cada polegada quadrada de nossas peles.

E aí, nova surpresa: Lucia ajoelha-se diante de mim, como uma submissa faria. Abre-me as calças e, com destreza, consegue ter nas mãos, rapidamente, meu pau absolutamente duro. E, olhando-me nos olhos, começa a chupar-me, primeiro com técnica e habilidade, depois com sofreguidão, como corresponde. Sinto-me um dom, até que percebo que quem domina é Lucia; quem me controla é Lucia; quem está me levando pra fora do mundo é Lucia. E tenho a iniciativa de virar o jogo.

Afasto Lucia. Levanto-a e a jogo sobre a cama, de costas. A saia se abre e vejo as coxas perfeitas. E, no meio delas, guardada pela calcinha vermelha, a boceta mimada. Olho, maravilhado, e Lucia desfruta, ainda, de seu poder. Atiro-me sobre ela; ou melhor, tropeço nas calças que me vão pelos joelhos e caio sobre ela. Lucia ri, tem pena do meu desajeito. Tenho raiva, mas também começo a rir; desvencilho-me das malditas calças e, com elas, das malditas cuecas. Vingo-me mordendo-lhe os ombros, o pecoço. Colo o nariz no entre-seios e aspiro a rota de perfumes exóticos que vai do trás das orelhas até o ventre. Finalmente comando meu desejo e minha ação.

Roço os lábios no monte de Vênus de Lucia, por cima das calcinhas; mordo os lábios e as arranco. Uso de tudo que aprendi nos anos de praia e de vagabundagem; lambo, esfrego, chupo e novamente mordo; e alterno tudo para um segundo movimento. É hora de Lucia perder o controle. Ela me usa, se abre, aponta e desfruta; mas lentamente se exaspera, tenta afastar o meu rosto, se debate, tenta levantar-se nos cotovelos, soca-me a cabeça, mas finalmente se entrega. E goza abundantemente gritando nomes e desejando meu sangue. Estertora e, por fim, desmaia. E minha cara lambuzada ostenta o sorriso largo da vitória. Eu domino, tyranossaurus rex!

E é sobre esta Lucia submetida e desfalecida que finco-me com força e com vontade. No começo, ela sequer se mexe e eu mais lhe arremeto. Pouco a pouco ela inicia a cadência até que sinto que a cada estocada que dou é ela quem me come. A disputa, então, fica violenta: mordidas, arranhões, xingamentos. Mas não desencaixamos, mesmo quando rolamos da cama e vamos parar no chão. E assim continuamos até que, simultaneamente, abrimos a guarda e nos entregamos e gozamos! E aí ouço tantos temas, tantas orquestras, tantos naipes de cordas e de metais, tanta balbúrdia que acredito, por um momento, que enlouqueço; um relâmpago de consciência me faz acreditar que entendo porque Beethoven ficara surdo. Então vou me acalmando e finalmente, olhando para a magnífica mulher ali do meu lado, que acalma-se comigo, deito-me de costas nos lençóis engrolados e, comovido, agradeço a Deus.

Para LS, de um admirador ardente e agradecido

[16set09]

A Insustentável Leveza do Ser - Episódio Seguinte


Conheci Marta quando ainda cursávamos o secundário. A irmã de alguém da turma levou-a para ver um showzinho nosso no Teresiano e, no momento em que fomos apresentados, tornamo-nos amigos imediatos: um de nós disse uma bobagem qualquer e o outro embarcou e rimos os dois.

Dali passamos a caçar juntos. Íamos a festas ou badalos como um par e depois nos separávamos. Quando podíamos, trocávamos idéias sobre nossas conquistas. Muitas vezes ajudamos um ao outro com estratégias e táticas. Íamos à praia e também passávamos as tardes bundeando nas férias, conversando sobre tudo, trocando textos e discutindo sobre música, cinema, o que pintasse. Muitas vezes me perguntei por que não nunca ficamos juntos. E a resposta era simples: de alguma forma, muito madura, sentíramos que estaríamos muito mais completos como amigos do que como namorados. Marta pensava da mesma maneira, disse-me um dia. E por esse caminho prosseguíamos bem felizes um com o outro.

Uma vez somente cedemos ao natural impulso de nos pegarmos. Estávamos acampando com a turma em Friburgo, no Inverno. O frio de rachar nos obrigara a ficarmos colados na mesma tenda. E foi tudo muito simples: ficamos excitados e cedemos; trepamos silenciosamente para não despertar a curiosidade dos demais; gozamos mordendo o ombro um do outro. No dia seguinte um olhar trocado bastou para confirmar que havia sido muito bom; mas que seria só dessa vez. De fato, a intimidade daquela noite serviu para que nos grudássemos ainda mais, e expuséssemos nossas verdades sem medo de cobranças.

Logo depois, quando entramos para a Faculdade de Arquitetura, Marta conheceu meu amigo Evandro e casaram-se. E quando Julia nasceu, fui convidado para ser o padrinho – convite ao qual aceitei com alegria, prometendo zelar por minha afilhada como seu segundo pai. Logo depois nasceu minha filha, Maria Eduarda, e trocamos a posição de compadres.

Foi com surpresa que recebi o telefonema de Marta, cobrando-me pelo fato de ter ficado com Joana, amiga de Julia. O diálogo telefônico, espantoso, foi mais ou menos esse:

- Alô?

- Perov? É você?

- Claro que sim [ri]. Quem mais você queria? Comotutá, Tarma?

- Olha, Perov, não to bem não...

- ...

- Soube que você saiu do aniversário da Julia com a Joana, amiga dela. E que ficaram...

- ...

- É o seguinte: você não acha isso meio incestuoso não?

- Olha, Marta, pra te dizer a verdade, não acho nada. Somos todos maiores de idade, não é mesmo? Que cobrança esquisita...

- Dezoito anos, Perov, a idade da sua afilhada, a idade da sua filha...

- Olha, Marta, não sei o que dizer... acho que você está tão fora do ponto... sei lá. De qualquer maneira, já acabou, ta bom assim?

- Desculpe, Perov, mas isso vai além da imaginação!

- OK, Marta, vou nessa...

- Bye.

Cinco minutos depois telefonou-me Julia, às gargalhadas:

- Perov? Dindo?[gargalhadas].

- Cacete, Julia, o que deu na tua mãe, cara?

- [ainda gargalhadas] Contei pra ela.... e, francamente, não esperava essa reação [gargalhadas] Será que ela traiu meu pai com você?

- Olhe, Julia, você sabe que eu e sua mãe nunca tivemos nada. E não é agora que vamos ter. Que coisa estranha... deve ser transferência, sei lá.

- Dia desses vou te visitar e conversamos, tá? [risinho contido]

- Tá bom, Julia... que chato, hein?... beijo.

- [risos] Beijo e tchau [click].

A perspectiva de ter Julia lá em casa comigo era meio apavorante. Desde pequena minha afilhada havia demonstrado uma precocidade que me espantava. Recordo-me que aos 10-12 anos ela surpreendeu-me com um selinho molhado, dado no canto da minha boca, quando a encontrei um dia na praia. E os assuntos que puxava comigo deixavam-me sempre desconcertado. Hora queria saber mais sobre minha relação com Marta, hora fazia algum reparo sobre Maria Eduarda, dando-me a impressão de que era sobre ela mesmo que falava. Essa mistura de personagens e climas me arrinconava de tal forma que eu só podia pensar numa coisa: harassment!

Meu enredo com Julia havia ficado mais preocupante depois que separei-me. Aí os comentários sobre minha ex-mulher, sobre como me estava indo sozinho, sobre o lobo das estepes e todas essas coisas que dizem do homem maduro e na entressafra, tornaram-se comida e bebida comum na mesa de minhas conversas com Julia. A ponto de eu evita-la, mesmo nas ocasiões festivas quando tinha que estar próximo. E Julia, percebendo essa minha atitude, sempre encontrava um modo de ameaçar-me, com uma linguagem corporal que não deixava dúvidas das suas intenções de provocar-me.

Pois lá estava eu pensando exatamente nisso quando tocam à porta e, pela janelinha, vejo que é Julia. “Deus do céu!”, exclamo, “...ora se não é o Diabo!”. Abro a porta e Julia atira-se no meu pescoço. “Dindo, dindo, dindinho, malvadinho...molequinho...” me saúda a afilhada, cobrindo-me o rosto e as orelhas de beijos. Afasto-a de mim e digo como está bonita numa linguagem bem paternal. Não se convence, ri de mim e me imita. Corre a sentar-se no sofá.

Vou até Julia e digo-lhe que não a esperava, que já tinha um compromisso e já estava de saída. Pega-me na mentira, dá duas palmadinhas no lugar ao lado e me chama para sentar com ela. Indefeso e vendido, vou.

- Me conta, dindo, como foi com a Joana? [risadinhas]

- Ora, Julia, vou lá contar isso pra você!

- Ela me disse que foi muito bom, que você é um coroa ainda malandro e que só te largou porque seria mais... hummmm... romântico, literário, sei lá... [risadinha irônica].

- É mesmo? [tom de esperança].

- Uái, dindo, você não sabe ainda como é charmoso? Como encanta as meninas? [me dá um chega pra cá e ri mais um pouco].

- Olha, Julia... sério... não tenho tempo. [me levanto].

Só aí noto que Julia está com o vestidinho que lhe cola no corpo, exceto a sainha que roda e que agora se espalha sobre o sofá, deixando à mostra as pernas morenas e bem-feitas. Me lasco. Neste momento Julia é Florença e Veneza na juventude; é Audrey Hepburn dançando leve; é tudo que quis ter e nunca tive; é a possibilidade de ser eternamente feliz; é uma nuvem no céu e uma onda no mar; é o cheiro bom de sabonete e o cheiro bom de Iscay; e é, principalmente, uma tarde de sol no mar do nordeste, onde uma jangada se desloca em harmonia com o horizonte, que se transforma num texto do velho Braga que me dói a clavícula e me aperta, aperta, aperta...

Acordo do vôo e vejo que Julia sabe exatamente por onde fui e, pior, quer acompanhar-me. Levanta-se, vem, fica na ponta dos pés, enlaça-me o pescoço e beija-me. Primeiro com os olhos bem abertos, para observar minha reação, depois com eles fechados.

Solto-me do beijo. Mais uma vez afasto Julia e, tonto (será pressão alta?), dirijo-me ao mesmo sofá. Chamo-a para conversarmos. E conto-lhe, pela enésima vez, da minha amizade com Marta e Evandro, da minha alegria ao ver minha afilhada pequenina, recém-nascida; das minhas penas e aflições; do meu mundo; e, finalmente, dessa sensação esquisita do incesto, na falta de uma palavra melhor.

Julia faz que não acredita. Me questiona. Diz que leu cada uma das minhas “Cartas à Hermanita”, cada um dos meus contos sobre incesto. Me fala das vontades que sempre teve comigo – que, me assegura, não são vontades com outros homens. Menciona os artigos que escrevi sobre esse “maldito tópico – o incesto”, relativizando tabus e até brincando com conceitos. Quer porque quer convencer-me que o nosso caso não é diferente de tantos outros que relatei, imaginados ou vividos. Adianta que ninguém saberá. Nunca. Fala que o assunto é entre nós dois, que não diz respeito a seus pais, à amizade dos seus pais comigo. Enfim, canta-me, lauda-me, seduz. E eu bambeio as pernas. E já me sinto pulsar, mais por ser perorado por aquela linda menina, hilária menina, esperta menina, decidida menina, do que por puro tesão pela imagem dos peitinhos duros que se desmanchariam na minha boca, das coxas que se abririam exalando o perfume da pequena boceta, das nádegas lisas, das coxas morenas, da cintura fininha e finalmente do cavalgar sem fim numa noite de estrelas.

E então, já quando estava a ceder, livro-me de um tranco. De pé, falo por minutos sobre o conceito de “inviabilidade”. Defendo limites como defenderia o Cesare Batisti. Clamo aos céus. Assevero que até os orixás têm certos caminhos fechados por Orunmilá. Ardorosamente fabrico todos os motivos pelos quais Julia deveria, naquele momento, sair e deixar-me só.

E estou a meias do final do discurso quando Julia, convencida, levanta-se também e vai saindo de cena. Quase ao chegar à porta, junta as formosas pernas, empina-se e, com um gesto gracioso, atira a sainha para cima, mostrando-me a bunda. Vejo as calcinhas brancas, que eram para que eu visse mesmo e babasse. E digo simplesmente “bye”, sem me incomodar em fechar a porta.

Para V/, que inspirou-me Julia, e que é a voz molhada que me encanta e me arrepia.

[26set09]

De Novo a Magrela


Quando Magrela ligou-me eu levei um susto. Fazia tempo que não me telefonava. Andava pelos matos lá dela, recarregando baterias, passeando os pensamentos por Deus sabe lá que paragens. Não sei por que, mas quando penso nessas paragens da Magrela lembro-me de um verso do Salmo 23, e depois de outro – algo a ver com águas tranqüilas e campos verdejantes e, aí, passo para ungir o corpo com óleos e fazer transbordar o cálice. Cazzo de cabeça a minha!

Esse comboio de pensamentos me veio à mente logo que atendi o telefone e reconheci a voz de Magrela. E tive que ser sacudido por dois ou três alôs antes de entrar na conversa. E a conversa era boa – Magrela me informava que nossa amiga de São Paulo estava disponível e queria ver-nos lá. Gritei “Finalmente!” e passamos aos detalhes do encontro porque estas raras oportunidades são de pegar ou largar.

Assim, fiz rapidamente a compra das passagens e reservei hotel pela Internet, ansioso por fazer acontecer. Enquanto empacotava alguns trecos e roupas na mochila (entre eles um torturante livro do Saramago, um tubo de K&Y e uma camiseta velha que não largo) ia pensando num outro projeto – o da Suruba Rave de Lu Ferreira. Esse ia ser mais complicado, já que o pessoal tem medo de se expor em grupo ou receia não gostar dos parceiros de putaria; mas ia me consolando fazendo as contas de que já teríamos mais essas duas amigas – a Magrela e a outra – como participantes... Mas isso é outra história.

Voei e cheguei. Imediatamente me instalei no hotel - um flat lá nos Jardins - e parti para ver minhas amigas. Nos encontramos num bar da Lorena. Quando cheguei, Magrela e nossa amiga (chamêmo-la Raquel) já lá estavam, sentadas a uma mesa bem escolhida. Mulheres são craques na escolha e isso de deixar aos homens a responsabilidade de encaminhá-las para aqui ou acolá só pode ser um ardil destinado a fazer-nos sentir que comandamos algo ou para que nos sintamos inseguros e frágeis. Por isso eu sempre contra-ataco, seja chegando mais tarde – como no caso – ou me detendo à porta, distraído com alguma coisa, e deixando que passem à frente.

Pois bem. Que alegria! Nós três somos o verdadeiro Cirque du Soleil. Depois de séculos de conversas via recadinho ou pelo MSN, conseguimos a proeza de nos encontrarmos no real. Poucas vezes vi Magrela tão resplandecente. Acho que a beleza particular de minha amiga, em contraste com as curvas da estrada de santos de Raquel, fazia um pendant perfeito para as ondas de desejo e ternura que percorriam velozes a minha epiderme (uma frase descomedida, mas adequada).

Em minutos ficou confirmada a intenção do trio, já propagada em bate-papos e conversas na Internet. Pagamos – paguei eu ou dividimos? – a conta e nos largamos para a noite agradável de São Paulo (essa história de garoa é grupo ou nome de banda). E seguimos nos empurrando para lá e para cá até que – surpresa! – acabamos na portaria do meu hotel, tomando o primeiro carro na ascendente – três alíseos de braços dados.

Ao chegar ao quarto, caímos direto no sofá. Mal contive a lembrança de Titia – presente sempre que há um sofá por perto e o cantar luxuriante de um pandeiro na cuca. Bem disposto como um tuga, busquei espaço entre as duas musas – em carne-e-osso y otras cositas más. De passo, apertei um seio de Raquel e logo encontrei a mão de Magrela – que me diz que sou sensível, mas que tenho a sutileza de uma pata de elefante. E mais uma vez minha amiga ensina-me a ser um dom como corresponde.

Estranho isso de uma sub ensinar a seu dom como comportar-se. Mas, na verdade, é mais comum do que se pensa. Doms são prepotentes até que encontram a escrava que, com doçura, inteligência (e os indefectíveis olhos baixos), ensina-lhes a serem melhores. E é isso que Magrela sempre faz comigo. Não importa quantos “PVs” eu desenhe em sua pele – é ela que assina seu nome entre as minhas espáduas.

Teimoso, alcancei a boceta de Raquel sobre a calcinha. E novamente encontrei a mão de Magrela, como uma silenciosa negativa. Suspirei e dei espaço. Raquel, então, ficou de pé e, com simplicidade e segurança, tirou o vestido preto pela cabeça de um movimento só, para a contemplação de Magrela e minha. Depois tirou calcinha e sutiã, nessa ordem; e sentou-se suavemente entre nós.

Foi, então, nossa vez. Magrela e eu ficamos de pé, de frente para Raquel. E, mesmo sem igual destreza, nos desvencilhamos de nossas roupas. Neste momento surpreendi o olhar constatador e apreensivo de Raquel pregado no “PV” inscrito no ventre de Magrela. “Ah, como é especial este momento em que as supostas conversas fiadas entre fakes mostram a sua cara de verdade...”, pensei. E fui, com Magrela, ladear nossa amiga no sofá – os três pelados e agora rindo.

Seguindo os ensinamentos de Magrela, dediquei-me à minha parte do quinhão: a anca e o seio esquerdo de Raquel. Na anca, esfregava meu pau; no seio. dava beijos e pequenas chupadas. Enquanto isso, deliciava-me com a visão do contraste da pele alva e prístina de Raquel com a pele morena e tatuada de Magrela. As duas beijavam-se daquela forma que homem nenhum consegue – firmes e resolutas e, ao mesmo tempo, doces e afetuosas, saboreando os lábios e as línguas. A mão e os dedos de Magrela tocavam a boceta de Raquel, ora traçando círculos em volta dos grandes lábios, ora penetrando onde era mais sensível a mucosa.

Depois de algum tempo dessa diversão, em que teimei em imaginar o prazer que Josielly estava perdendo por recusar um ménage com Magrela, trocamos de posição. Fui para o meio de minhas duas amigas, sendo atendido em minhas fantasias, sem precisar pedir ou negar. Raquel e Magrela trabalharam em mim o quanto e como quiseram. Até que, não agüentando mais o suplício que tanto prazer trazia, antes que gozasse puxei Magrela para que sentasse no meio.

Ah, minha Magrela. Os seios bicudos que me deixam sempre calentado... Puxei-os bem forte e usei das palmas das mãos para dar-lhes tapas e avivar as cores. Enquanto isso, Raquel servia a boceta de Magrela com um consolo que tirara não sei de onde, ao mesmo tempo em que lhe esfregava as partes duras e moles com firmeza e descaramento. Ela também sabia da tendência submissa de Magrela e a fazia sua escrava, disciplinando-a para o prazer de nós três.

O trio possuía-se muito bem. Cada qual tirando e dando o máximo de suas habilidades em benefício de cada um dos demais. Até que, gemendo baixinho, como corresponde a uma submissa de verdade, Magrela não mais conteve os espasmos e gozou até que foi-se aquietando e finalmente nos agradeceu com beijos e carícias. Então, foi a vez de Raquel ser devidamente supliciada pelas sucessivas penetrações com seu próprio consolo. Sorvi-lhe a alma pela boca enquanto Raquel gania e chorava pedindo que lhe arrebentássemos os orifícios – ela, também, tendente à submissão.

Finalmente chegou minha vez e Magrela, sabedora de meus desejos, primeiro mostrou-me meus pertences: os bicos dos seios, a boceta, o ânus e, é claro, a tatuagem que lhe fiz a frio, com minhas iniciais. Em seguida, ajoelhou-se a meu pé, de olhos baixos, e aguardou que eu acenasse que sim. Sentou-se então no meu pau, de frente para mim. Sabia que era com imenso prazer que eu via os grandes lábios engolindo o membro ansioso. Raquel, agora ajoelhada a meu pé, dava suporte às costas da amiga e a ajudava a equilibrar-se no movimento de ir e vir.

Tratei de conter-me o mais que pude. Mas há sempre um limite, além do qual não passamos. E aí gozei com a supremacia de um touro. E pude ver, no rosto de Magrela refletido, o prazer que nos dávamos na arremetida. Neste momento, Raquel alçou-se e veio nos abraçar. Como se quisesse segurar o momento com seu corpo. Terminamos os três, exaustos, caindo do sofá e descansando no tapete.

Depois que minhas amigas foram embora, cada uma tomando o seu destino, pude avaliar como é estranha essa vida. Quantos de nós poderíamos ter tido a mesma experiência se não ficássemos encasulados nas nossas cidades, nas nossas vidas, na nossa “normalidade”. Feliz, agradeci de olhos fechados à divindade que teria nos levado à realização de nosso poder, virando de potencial em cinética a energia que nos tinha embotados. Em seguida abri o laptop e mandei nova mensagem aos integrantes da Suruba Rave de Lu Ferreira.

[15out09]