sexta-feira, 4 de junho de 2010

A Gueixa, o Poderoso e o Artista


Esta é uma história antiga. E verdadeira.

O Artista havia completado um excelente trabalho para o Poderoso. O Poderoso, sempre generoso com os vitoriosos, pagou regiamente ao Artista e ainda lhe ofereceu um jantar especial numa tradicional casa de gueixas

E, assim, na data combinada, foram-se ao jantar. O Artista desconhecia o que era ser servido por uma gueixa. Sendo sensível, apreciou cada gesto do cerimonial, decorou o lugar de cada prato, apreendeu todo o movimento a seu redor, fartou-se com o inefável de cada sorriso modesto que lhe era dirigido com um baixar de olhos.

Terminada a regalia, o Poderoso disse ao Artista que lhe reservara mais um acepipe. Pediu que viesse alguém especial, que revelou a todos ser uma das gueixas mais antigas da casa. O Artista, embora tranqüilo em sua postura de vencedor, era um fauno ignorante - embora em plena forma - e havia aguardado ansioso pelo momento em que faria amor com alguma daquelas serviçais que o atendera.

Assim que, com alguma expectativa, o Artista aguardou a preciosa relíquia da casa. E estava a aguardar quando desliza até sentar-se a seu lado uma senhora maravilhosamente vestida e pintada. Sem baixar os olhos, sorriu-lhe e perguntou se estava satisfeito com o jantar. Em seguida, perguntou-lhe sua profissão. E, quando soube que o Artista era um pintor de já razoável fama, virou-se e pediu algo a uma das gueixas que havia ficado a um canto do aposento.

A pequena gueixa partiu incontinenti, com a leveza que lhe era própria, voltando logo depois com papéis, nanquim e pincéis de caligrafia, colocando-os na mesa, à frente da gueixa que agora fazia companhia ao Artista. Esta preparou a pasta, escolheu um pincel, apoiou uma folha de papel e ficou parada, estática, por um momento. Subitamente, havendo decidido o momento de disparar a flecha e o alvo a atingir, a senhora molha o pincel no nankim e, em traços extremamente rápidos e firmes, desenha algo no papel, considerando o trabalho terminado assim que pausa. Devolve o material à mesa, e oferece ao Artista a obra recém-acabada.

O Artista olha o desenho e, estupefato, constata que nunca fez ou fará algo semelhante. Olha atônito para a gueixa que, pela primeira vez, baixa os olhos, agradecida. Não trocam mais palavras. Servido o chá, vai-se a senhora de volta a seus afazeres. O Poderoso ri em seu lugar, sabendo bem da peça que pregara no Artista. E este, conformado, pouco depois pede licença, e sai. E ainda guarda, até hoje, o presente inusitado para ensinar-lhe modéstia a cada vez que, maravilhado, o espia.

Para M/, a gueixa.

[11set09]

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